Bicicleta, cidadania e sustentabilidade – Parte I

O convite desta revista para escrever sobre a mobilidade urbana foi uma grata surpresa. Escrever com foco na bicicleta, cidadania e sustentabilidade tem um componente especial para mim, pois durante muito tempo não enxerguei uma forte e importante relação entre esporte e afirmação da cidadania, feixe de direitos e deveres sociais, econômicos, político e cultural da pessoa. Mas depois de muito tempo praticando a vela e o tênis de lazer e acompanhando a transformação de meu enteado desde tenra idade na trajetória de sucesso no esporte “hockey in line” com firme e visível desenvolvimento na disciplina, dedicação, companheirismo, responsabilidade, foi possível compreender a dimensão e a força do esporte na formação do cidadão. O Brasil não tem um projeto de educação para o esporte, pois ainda não percebe a importância deste na construção de uma nação. Os pífios resultados em Olimpíadas como a recém-concluída de Londres 2012 são produtos de esforços individuais, solitários e surpreendentes, como o do atleta de São Caetano do Sul que levou ouro para o exercício “argola” numa modalidade sem qualquer tradição no Brasil.

A utilização da bicicleta para recreação, esporte ou opção de transporte nos coloca em contato com situações conhecidas da realidade urbana, mas mantidas em relativa distância: frágil e deficiente transporte público, descartes de lixo em áreas públicas (ruas, estradas vicinais, praças), poluição do ar, rios e lençol freático, destruição das matas ciliares, crescimento urbano desorganizado (condomínios), saúde, educação e segurança. Na cidade vive metade da população mundial, sendo que no Brasil a população urbana já alcança 85% e, à medida em que as cidades crescem em tamanho e população, aumenta também a dificuldade de se manter o equilíbrio espacial, social e ambiental. Ao pedalar pelas vias públicas o ciclista entra em contato com a falta de segurança na luta por espaço entre motos e automóveis, e insegurança frente aos riscos de furtos e roubos. As estatísticas de acidentes trágicos com ciclistas mostram entre 1 e 2 acontecimentos mensais na Grande São Paulo. Essa triste estatística urbana mobilizou os ciclistas na formação de grupos para facilitar o planejamento das pedaladas recreativas e incrementar a segurança. Mas isso se mostrou insuficiente, sendo necessário ir além para desenvolver, promulgar e divulgar o projeto de Lei Federal 9.503, de 1997, que estabelece os direitos e deveres do ciclista que, aliás, muitos desconhecem, e estreitar a relação com os gestores públicos – Secretaria de Transporte, Educação e Segurança – para desenvolver projetos de ciclofaixas, ciclovias integradas ao transporte público, incrementar a segurança, educação de motorizados e apresentar a bicicleta como opção saudável de transporte.

No Brasil, esse movimento começa a tomar força para reproduzir os projetos de sucesso desenvolvidos em várias cidades do continente europeu, América do Norte e Canadá. O movimento “cars suck” (literalmente, “chupa carro”) surge em 1996 na cidade de Nova York, EUA, como reação aos frequentes atropelamentos de ciclistas nas ruas desta cidade. Hoje, cidades como Barcelona, Londres, Nova York, Paris, Milano e muitas outras cidades disponibilizam bicicletas públicas para o cidadão utilizar em ciclofaixas e ciclovias bem desenhadas e seguras. São Paulo começa a construir um projeto de bicicletas e o Rio de Janeiro tem um projeto semelhante ao de Paris, mas ambos ainda tidos como experiências pequenas e não integradas a um projeto maior, como citado acima. A melhor experiência conhecida estaria na cidade de Mauá, SP.

A cidade de Indaiatuba, SP, criou em 2012 um projeto de seis estações de bicicletas grátis para a população, mas o gestor público ainda não considera a bicicleta nos projetos de mobilidade urbana integrada ao transporte público por meio de ciclovias, bicicletários com manutenção e segurança, possiblidade de condicionamento em ônibus e trens para se tornar uma opção saudável de transporte, reduzindo o estresse dos congestionamentos e a poluição das grandes cidades. A mobilização dos ciclistas exercitando cidadania entrou definitivamente na agenda da gestão pública de muitas cidades brasileiras. Os ciclistas estão sintonizados com o pacto político inspirado nos compromissos de Aalborg (Dinamarca) do desenvolvimento sustentável que considera a participação da comunidade local na tomada de decisões, a economia urbana preservando os recursos naturais, a equidade social, o correto ordenamento do território, a mobilidade urbana, o clima mundial e a conservação da biodiversidade, entre outros aspectos relevantes descritos no “Programa Cidades Sustentáveis”. Esse programa reúne muitos indicadores da gestão da “coisa pública” e pode ser vistos em www.cidadessustentaveis.org.br/indicador.

Os candidatos ao poder executivo e câmara legislativa municipal da campanhas eleitorais devem ratificar o “Programa Cidades Sustentáveis” e apresentar ao cidadão detalhes dos projetos que pretendem desenvolver para o indicador “mobilidade urbana”, em especial aqueles contemplando projetos relacionados à bicicleta e a outros relevantes indicadores. Já não estaria mais circunscrito ao ciclista, mas ao cidadão fazer valer a sua vontade e exercitar cidadania.

É isso! Não hesite, adote a bicicleta, opção além de saudável! Em tempo, conheça o “CTB” – Ciclistas e o Código de Trânsito Brasileiro – disponível para “smartphones”, plataforma “android”.

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