Materiais de forjamento: aços microligados – Parte VIII

Nesta parte da nossa série, discutiremos uma classe de materiais relativamente nova – os aços para forjamento microligados. Este artigo fornecerá uma descrição geral dos aços microligados, seguida por detalhes de sua composição química e microestrutura. Completarão este artigo as aplicações para os componentes de aços microligados forjados e considerações especiais para os forjadores que lidam com estes aços

Assim como todos os aços, os aços microligados são ligas metálicas ferrosas. Normalmente, são aços carbono ou aços baixa liga com pequenas adições (ou seja, microligados) de um dos três elementos especiais. Estes aços foram desenvolvidos na década de 1960 e suas aplicações são na forma de chapas ou de tubos. No entanto, somente na década de 1980 que os forjadores começaram a produzir componentes de aço microligados em quantidades significativas. Os aços microligados possuem resistência e tenacidade mais elevadas se comparados com os aços de baixa liga com a mesma microestrutura. Eles não têm a mesma combinação alta de resistência/tenacidade dos aços ligados temperados e revenidos, mas suas propriedades podem ser bastante adequadas em muitas aplicações.

A vantagem real dos aços microligados é a redução de custos alcançada pela eliminação dos tratamentos térmicos, uma vez que uma peça de aço microligado devidamente projetada e forjada não irá exigir qualquer tratamento térmico posterior. Assim, a eliminação da necessidade de austenitização e de têmpera e revenimento após o forjamento ajuda a compensar o custo adicional associado com um aço microligado. A Figura 1 mostra um diagrama típico de tempo-temperatura de um aço de baixa liga e de um aço microligado. Observa-se que para um aço de baixa liga a têmpera, revenimento e alívio de tensões após o desempenamento exigem que a peça seja reaquecida diversas vezes, acumulando custos de energia no processo. Em contraste, o aço microligado, se forjado e resfriado adequadamente, pode ser utilizado sem os tratamentos térmicos adicionais e sem os custos de energia que os acompanham

Composição Química e Microestrutura

Os aços microligados para forjamento possuem, tipicamente, faixas de quantidades de carbono de 0,15-0,55%, de manganês de 0,60-1,65% e de silício de 0,15-0,65%.

Os elementos de microliga são adicionados em pequenas quantidades para formar os aços microligados, sendo eles o vanádio, o nióbio e o titânio. A maior parte dos aços microligados tem uma microestrutura ferrítica-perlítica. Alguns produtores de aço também adicionam pequenas quantidades de molibdênio a esses aços para produzir um aço microligado bainítico logo após o forjamento. Estes aços são designados, algumas vezes, como a terceira geração de aços microligados.

O vanádio (V) adicionado ao aço, na faixa de 300 a 1.000 ppm (0,03-0,10%), tem uma alta solubilidade na fase austenita do aço. Assim, quando o aço é aquecido para as temperaturas de forjamento, todo o V se dissolve na fase austenita (similar ao açúcar se dissolvendo dentro da água quando a água é quente). Quando o aço é forjado e resfriado na sequência de forma controlada, o V irá reagir com o carbono e com o nitrogênio formando carbonitretos de vanádio, os quais precipitam como partículas finas na microestrutura. Estas partículas fornecem um impulso significativo na resistência do aço em temperatura ambiente. A Figura 2 mostra uma imagem em microscópio eletrônico de transmissão (MET) de um aço microligado ao vanádio. As partículas brancas finamente dispersas nas imagem são os carbonitretos de vanádio (V(CN)). Eles são nanométricos, indicando que os aços microligados realmente são parte do esforço atual para a nanotecnologia.

Outro benefício fornecido pelo V é que pode ocorrer a formação dos precipitados de V(CN) nas partículas de MnS que estão dentro do aço. Estas partículas de MnS com V(CN) na sua superfície formam sítios de nucleação para a ferrita, causando a formação de ferrita dentro dos grãos da austenita (intragranular) e, assim, estando presente dentro das colônias finais de perlita. A ferrita intragranular pode contribuir com um pequeno aumento na tenacidade do aço. A Figura 3 mostra a microestrutura de um aço microligado ao vanádio com ferrita intragranular.

O nióbio (Nb), algumas vezes citado nos EUA como columbium (Cb), não é utilizado com frequência nos aços para forjamento. Ele é um elemento muito comum de microliga utilizado na laminação controlada de chapas de aço de alta resistência. Nos aços para forjamento, o Nb é adicionado em níveis de 200 a 1.000 ppm (0,02-0,10%). A solubilidade do Nb na austenita é muito sensível à temperatura. Em altas temperaturas de forjamento, a maioria do Nb será dissolvida e precipitará no resfriamento de forma bastante similar ao V. Em temperaturas de forjamento mais baixas o Nb não se dissolverá por completo. Se ele estiver presente como precipitados finos nestas temperaturas de forjamento mais baixas, estes precipitados atuarão como ancouradouros (pinning) para os contornos de grão da austenita, não permitindo que o tamanho de grão aumente muito.

A Figura 4 mostra uma imagem de MET de um aço microligado ao Nb. Perceba que, em contraste com a Figura 2, os precipitados finos ricos em Nb não estão dispersos por toda a estrutura, mas residem principalmente nos contornos de grão da austenita precedente. Os tamanhos de grãos desta austenita prévia são da ordem de cerca de 1 micron, os quais são realmente muito finos. Se há grãos finos de austenita, então, os produtos da sua transformação (ferrita, perlita ou bainita) no resfriamento também terão uma estrutura de grãos finos. Tamanho de grão pequeno não somente aumenta a resistência mecânica do aço, como ao mesmo tempo pode aumentar a tenacidade. Este refinamento de grão é o único mecanismo conhecido de aumento simultâneo da resistência mecânica e da tenacidade. O controle destes precipitados ricos em nióbio no forjamento é muito mais difícil. A janela de processamento para um bom produto forjado com um aço microligado ao nióbio é muito menor do que com o vanádio. Assim, apesar do menor custo do Nb se comparado com o V, o V ainda é a escolha normal como elemento de microliga para o forjamento.

O titânio (Ti) é o terceiro maior elemento de microliga utilizado nos aços para forjamento. A quantidade de Ti nos aços para forjamento é muito pequena – 100 a 200 ppm (0,01-0,02%). O Ti tem solubilidade muito baixa na austenita, mesmo em temperaturas elevadas. Ele reage muito rápido com o nitrogênio presente no aço, formando nitretos de titânio (TiN). Estas partículas de TiN geralmente se formam durante o processo de solidificação do aço nas siderúrgicas. Se o precipitado de TiN estiver finamente disperso, ele agirá como ancoradouro para os contornos de grão da austenita durante o aquecimento e forjamento, criando um tamanho de grão austenítico muito fino. De forma similar ao forjamento dos aços microligados com Nb em baixas temperaturas, os pequenos tamanhos de grãos da austenita conduzirão a uma estrutura de grãos finos no produto final, aumentando tanto a resistência mecânica como a tenacidade dos aços.

Aplicações

Os componentes forjados fabricados com aço microligado são utilizados em diversas aplicações. Eles são utilizados extensivamente em aplicações automotivas, incluindo virabrequins, bielas e uma variedade de componentes de transmissão. Eles também são utilizados em ferramentas manuais. A grande maioria das peças forjadas de aço microligados são produtos de alto volume e de tamanho moderado (0,5-5 kg), que é o “docinho” para peças automotivas.

Em produtos que não são forjados, os aços microligados são utilizados extensivamente em chapas de alta resistência, tubos de alta resistência e em componentes estruturais para navios, carros e caminhões. Nos EUA, o uso de componentes forjados microligados em aplicações automotivas ficou para trás do seu uso no Japão e na Europa. Este atraso não foi devido às limitações técnicas do material, mas principalmente devido aos problemas legais que as empresas automotivas dos Estados Unidos não estavam dispostas a assumir. Por muitos anos, desde o seu desenvolvimento inicial até o início da década de 1990, estes aços microligados para forjamento eram classificados como aços experimentais. Foi somente em 1992 que eles receberam uma designação oficial como ASTM A-909 e saíram da categoria experimental. As empresas automotivas americanas eram relutantes em utilizar aços que fossem classificados como “experimentais”, não importando quaisquer provas de quão bons eles eram.

Forjamento de Aços Microligados

A temperatura para forjamento a quente necessária para os aços microligados é a mesma utilizada para os aços carbono e baixa liga. Algumas empresas têm acoplado com sucesso o forjamento a morno (temperaturas de cerca de 980°C ou menos) com aços microligados para produzir um produto de alta qualidade. As cargas de forjamento podem ser um pouco maiores do que para as classes não-microligadas. Se for utilizado o forjamento a morno, então, as cargas podem ser significativamente mais elevadas. A Figura 5 mostra a faixa de temperaturas para estes aços microligados. Praticamente todas as aplicações são com aquecimento por indução, pois envolvem grandes volumes de produção e peças de dimensões de moderadas a pequenas.

Os requisitos de controle de processo para os aços microligados são significativamente maiores do que os necessários para as peças que serão posteriormente tratadas termicamente. Além do controle da temperatura devido a uma linha de aquecimento por indução para o aquecimento dos tarugos, um aspecto crítico da produção de forjamento dos aços microligados é o resfriamento controlado das peças depois de sair do martelo ou prensa. Para se obter o tamanho e distribuição dos precipitados apropriados, a velocidade de resfriamento tem que ser mais rápida do que o padrão de resfriamento em um compartimento fechado, mas mais lenta que uma têmpera em óleo ou água.

A taxa de resfriamento correta é fundamental para maximizar as propriedades das peças forjadas de aços microligados, especialmente componentes feitos com adições de vanádio. Os métodos típicos para se alcançar a taxa de resfriamento adequada são: refrigeração em um transportador de correia com ventilador ou em um transportador com um spray de névoa fina.

Se a taxa de resfriamento for muito lenta, ocorrerá a formação de precipitados, mas suas dimensões serão grandes demais para se obter a eficácia máxima. Se a taxa de resfriamento for muito rápida, não irá formar precipitados e o custo adicional do aço microligado será desperdiçado porque não será obtido o impulso na resistência devido aos precipitados na microestrutura. O intervalo de temperaturas importante é a partir da temperatura de forjamento até o fim da temperatura de transição austenítica (tipicamente 730°C). Abaixo deste nível a quantidade de precipitação é muito reduzida.

O desenvolvimento inicial do processo poderá ser caro, pois deverão ser otimizados os parâmetros como temperatura de forjamento, velocidade do transportador e coeficiente de transferência de calor a partir de ventiladores para se conseguir a precipitação necessária após o forjamento.

O desenvolvimento por tentativa e erro não só é caro, como também pode convergir para um conjunto não ideal de condições. Esta situação é uma oportunidade ideal para implementar uma modelagem do processo para otimizar a velocidade de resfriamento como uma função do coeficiente de transferência de calor, tal como é feito para o forjamento para aplicações aeroespaciais. Tarugos descartados, peças forjadas extraviadas ou outros atrasos resultam em peças sucateadas.

Ocasionalmente, o retrabalho por meio de um tratamento térmico posterior pode ser possível, mas tal retrabalho derrota a vantagem dos aços microligados na eliminação de tratamentos térmicos extras. O controle do processo para um forjamento com sucesso e de forma otimizada de aços microligados é semelhante aos requisitos associados com ligas aeroespaciais. Os forjados de aços microligados precisam ser engenheirados, não podem ser produzidos por um processo simples de “aqueça-o e vença-o”!

Considerações Especiais

Uma crítica às peças de aços microligados é que eles são mais difíceis de usinar após o forjamento. Estudos têm mostrado que a usinagem não é pior se comparada com os aços carbono e de baixa liga, mas é um pouco diferente. Se você operar o equipamento de usinagem com os mesmos avanços, velocidades e profundidades de corte que você utilizaria com um aço não microligado da mesma classe, então as ferramentas realmente serão desgastadas mais rapidamente. Os parâmetros de usinagem precisam ser ajustados a fim de se obter a mesma vida da ferramenta de corte.

Sumário

Os aços microligados pertencem a uma classe relativamente nova de materiais para forjamento que podem fornecer aços forjados com resistência mecânica adicional e tenacidade adequada para uma variedade de aplicações. As suas propriedades dependem fortemente do controle dos precipitados finos nos aços. Este controle requer condições especiais de resfriamento no final do forjamento em martelo ou prensa. Apesar de os aços microligados serem mais caros que os seus equivalentes aços carbono ou baixa liga, pode ser obtida uma redução de custos pela eliminação dos tratamentos térmicos pós-forjamento. Certamente os aços microligados deveriam ser considerados em discussões com os seus clientes quando eles estão tentando obter componentes de aço com resistência mecânica mais alta.

Agradecimentos

É apreciado o apoio dado pelo PRO-FAST Program. O PRO-FAST Program é formado por uma equipe dedicada de profissionais que representam tanto o Departamento de Defesa quanto a indústria.

Estes colegas estão determinados a assegurar à nação da indústria do forjamento que estarão posicionados para os desafios do século 21. Os membros-chave desta equipe são: R&D Enterprise Team (DLA J339), Logistics Research and Development Branch (DLS-DSCP) e a Forging Industry Association (FIA). Este trabalho foi preparado originalmente para os cursos FIA Theory & Applications of Forging e Die Design oferecidos pelo Scientific Forming Technologies Corporation.

 

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