Análise microestrutural do tratamento térmico dos aços – Parte II

Na edição de Abr a Jun de 2012, foi apresentada a primeira parte deste trabalho, mostrando a dureza e tenacidade ao impacto após tratamento térmico em forno a vácuo do tradicional aço ferramenta de alto cromo similar a norma AISI D2 (ou DIN WNr. 1.2379), e dois aços ferramentas de última geração com 8%Cr, 2%Mo, 1.6%V e outro aço produzido por metalurgia do pó, com 7.5%Cr, 1.3%Mo e 2.7%V. As figuras seguem a sequência do artigo anterior

Como na maior parte das aplicações das ferramentas para trabalho a frio é necessária uma combinação ótima entre tenacidade e dureza, que se refletirá nas propriedades mecânicas e tribológicas como, por exemplo resistência ao desgaste, é importante correlacionar essas duas propriedades e os resultados obtidos nos aços investigados.

Esta correlação pode ser vista na Fig. 7 (a). Analogamente ao caso anterior, na Fig. 7 (b) é mostrada a correlação entre tenacidade ao impacto e dureza somente entre os aços D2 e 8%Cr. Os resultados mostraram que para a faixa de temperaturas de austenização investigadas e, após tratamento criogênico, seguido de 3 (três) revenimentos de 2 horas cada a 520°C, o aço ferramenta para trabalho a frio, de última geração, apresentou a melhor resposta ao revenimento e superior tenacidade quando comparado com o tradicional aço D2, corroborando assim com resultados disponíveis na literatura para esses tipos de aços [1-3].

Os resultados mostraram que o aço ferramenta PM3V para trabalho a frio, também de última geração, apresentou tenacidade ao impacto substancialmente superior quando comparada aos outros dois aços. Esta constatação também corrobora com o trabalho anterior [4].

Os resultados mostraram que, embora a dureza de todos os aços investigados tenha aumentado significativamente quando a temperatura de austenitização foi elevada a 1120°C, houve uma queda substancial na tenacidade ao impacto.

Nesta temperatura, a diferença de tenacidade entre eles não foi tão significativa. Embora a temperatura de austenitização de 1120°C aumente bastante o conteúdo de carbono e dos elementos de liga dissolvidos, produzindo consequentemente uma matriz martensítica mais rica nestes elementos, há também um efeito deletério secundário no que diz respeito à tenacidade, vinculado ao crescimento dos grãos. Vale lembrar que o teor de carbono e elementos de liga mais elevados, assim como a fração volumétrica maior de carbonetos durante o revenimento, aumenta consequentemente a dureza e diminui a tenacidade.

Os elementos químicos, tais como Cr, V, Mo, Nb e Ti, formam carbonetos complexos específicos como do tipo MC (VC, NbC, etc) ou M6C (ricos em Molibênio) e que, sendo mais estáveis, solubilizam em temperaturas mais elevadas quando comparadas com aquelas em que solubilizam os carbonetos de cromo do tipo M23C7. Esses últimos são abundantes no aço AISI D2. Assim sendo, dependendo do tipo de carboneto seu tamanho e sua fração volumétrica podem, em conjunto, provocar um efeito de “pinning” eficiente no grão austenítico, beneficiando, portanto, a tenacidade dos aços investigados.

Como os carbonetos do tipo MC são aqueles que se solubilizam a temperaturas mais elevadas é esperado que os aços que tenham maior conteúdo de Vanádio e Nióbio tenham tamanho de grãos mais finos. Como visto na Tabela 1, o teor de Nb dos aços investigados é baixo, porém, há diferenças significativas no teor de Vanádio entre eles. O aço PM3V contém, aproximadamente, 3%, ou seja, o maior teor entre os aços estudados; o aço 8%Cr tem, aproximadamente, 1,8%, enquanto o aço D2 apresentou o menor valor, ou seja, 0,80%. O efeito da temperatura de austenitização no tamanho de grão dos aços investigados pode ser visto na Fig. 8.

A Fig. 8 mostra que o aumento da temperatura de austenitização promove o crescimento dos grãos para todos os aços. Porém, este crescimento foi significativo à 1120°C. Observa-se que quanto maior o teor de vanádio menor o tamanho de grão austenítico. Conforme já explanado, o aço PM3V, que contém 3% de vanádio, apresentou o menor tamanho de grão, seguido do aço 8%Cr, contendo 1,8% de vanádio, e finalmente o aço D2 com 0,8V. Assim, quando o teor de vanádio é mais baixo, como por exemplo, 0,5% como no outro aço com 8%Cr, estudado na investigação anterior, o crescimento foi mais significativo. A Fig. 9 mostra as microestruturas dos quatro materiais após austenitização a 1120°C, seguido de têmpera a vácuo, tratamento criogênico e três revenimentos de 2 horas cada a 520°C.

Como pode ser observado, os aços PM3V (~ 7,8%Cr e 3%V) e 8%Cr, (~ 1,8%V) apresentaram grãos bem menores quando comparados ao aço 8%Cr com baixo teor de V (~0,5%). O fato do aço D2, contendo 0,8%V, apresentar tamanho de grão bem menor que o aço 8%Cr, contendo 0,5% V, é explicado pela fração volumétrica elevada de carbonetos de cromo primários massivos que, devido as suas dimensões, além do tempo de austenitização a 1120°C ter sido insuficiente para solubilizá-los, estes exerceram de forma eficiente o papel de pinning, impedindo o crescimento do grão austenítico.

Assim sendo, em função da dureza elevada e do crescimento dos grãos, o ciclo de austenitização a 1120°C, seguido de 3 revenimentos, só deveria ser escolhido nos casos em que as ferramentas necessitem de elevada resistência ao desgaste, porém, sem nenhum requisito quanto à tenacidade. A melhor combinação de tenacidade e dureza foi alcançada quando a temperatura de austenitização foi 1060°C. Assim, testes complementares foram executados nos três aços investigados mantendo a temperatura de austenitização de 1060°C, processo criogênico, porém, utilizando duas temperaturas de revenimento mais elevadas, 570°C e 620°C.

O objetivo de se elevar a temperatura de revenimento foi investigar seu efeito simultâneo na dureza e na tenacidade ao impacto. Estas faixas apresentam interesse prático e tecnológico, principalmente em aplicações requerendo, simultaneamente, resistência ao desgaste e impacto, tais como as facas industriais planas e circulares para corte e “slitting” de chapas de aços carbono e microligados de alta resistência. O efeito do revenimento a 570°C e 620°C, por 2 horas após austenitização a 1060°C e processo criogênico na dureza e no impacto, é mostrado na Tabela 4. Esta tabela inclui, também, os valores de dureza e impacto obtidos após revenimento a 520°C.

Como era esperado, o aumento na temperatura de revenimento reduziu a dureza e aumentou o valor de impacto para todos os aços investigados. Na média, a queda de dureza entre os revenimentos executados a 520°C e a 570°C foi de, aproximadamente, 10% para todos os materiais. Porém, comparando os resultados entre os revenimentos a 570°C e a 620°C, as maiores quedas ocorreram no aço 8%Cr (15%) e, principalmente, no aço PM3V, que apresentou redução de quase 20%.

O aço D2 reduziu sua dureza na mesma taxa para toda a gama de revenimentos aplicados. Nas temperaturas de revenimento entre 520°C e 570°C, os maiores ganhos de tenacidade proporcionais ocorreram nos aços D2 e PM3V. Por sua vez, entre 570°C e 620°C, o maior aumento de tenacidade ocorreu com o aço 8%Cr. Na Fig. 10(a) pode ser vista a correlação entre tenacidade e dureza para todos os aços investigados após austenitização. A 1060°C, processo criogênico seguido de 3 (três) revenimentos de 2 horas cada a 520°C, 570oC e 620°C. Analogamente aos casos anteriores, a Fig. 10(b) mostra, em maior detalhe, a correlação entre valores médios de impacto e dureza somente entre os aços D2 e 8%Cr

Ignorando os dados obtidos após austenitização a 1120°C e considerando somente os resultados de dureza e impacto após austenitização a 1030°C e revenimento a 520°C e a austenitização a 1060°C e revenimentos a 520°C, 570°C e 620°C, obtém-se o gráfico de correlação entre tenacidade ao impacto e dureza, conforme mostrado na Fig. 11.

Na mesma Figura estão mencionados valores típicos de impacto em corpos de prova, sem entalhe, para os aços A2, S1-S7 e H13, sendo os valores para o AISI H13 típicos [5 ], enquanto para os aços A2 e S7 os valores foram extrapolados da literatura [6 ]. Testes realizados em corpos de prova Izod, sem entalhe, mostraram que, na média, o aço ferramenta A2 apresenta o dobro da tenacidade apresentada pelo aço AISI D2. O aço S7 apresenta, na média, o triplo da tenacidade apresentada pelo A2.

Embora a simples análise da Fig. 11 indique que os aços 8%Cr e PM3V de última geração atenderão as durezas e tenacidades obtidas com os aços tradicionais AISI D2, A2, S7, S1, e outros, para uma mesma dureza da matriz a resistência ao desgaste do aço poderá variar, substancialmente, dependendo do tipo, da dureza e da fração volumétrica dos carbonetos primários presentes na microestrutura. Dentre eles, um dos mais eficientes é o carboneto de vanádio (VC), pois conforme pode ser visto na Tabela 5, ele apresenta a dureza mais elevada quando comparado com os outros carbonetos tipicamente encontrados na microestrutura de aços ferramenta.

Analisando os resultados da correlação de tenacidade e dureza dos aços investigados dentro da faixa de 54 a 60 HRc, utilizadas em facas rotativas para corte de aços carbono e microligados, e a dos aços tradicionais com o AISI D2, A2, S7 e H13, pode-se inferir os seguintes comentários:

Faixa 58-60HRc

Dentro dessa faixa e analisando a composição química dos aços investigados e a dos aços tradicionais, em conjunto com Fig.11, observa-se que o aço 8%Cr de última geração pode ser utilizado com vantagens para substituir os aços convencionais AISI A2 e D2. Em relação ao A2, o aço 8%Cr apresenta tenacidade um pouco superior, porém, haverá uma significativa melhoria na resistência ao desgaste (~60-70%), visto que para um mesmo teor de 1%C, o 8%Cr possui teores bem superiores de cromo (8% contra 5% no A2), molibdênio (1,4 % contra 1,1% no A2) e vanádio (1,8% contra 0,25% no A2).

Assim, apresenta uma fração volumétrica maior de todos os carbonetos, principalmente de vanádio, o mais duro deles. Em relação ao D2, o aço 8%Cr deverá substituí-lo nos casos onde o D2 apresente limitações quanto à tenacidade e onde o A2 apresentará limitada vida útil ou resistência ao desgaste. Em termos de resistência ao desgaste entre os dois aços, AISI D2 e 8%Cr, é esperado um nível equivalente de vida, pois embora o aço 8%Cr tenha teor de Cr bem inferior (8% contra 11% do D2) ele apresenta teor muito maior de V e Mo, que formam carbonetos mais duros, compensando, eficientemente, o menor teor de Cr.

Para aplicações solicitando tenacidade bem superior ao aço 8%Cr e mantendo nível equivalente de resistência ao desgaste, a melhor opção será o PM3V, pois conforme visto na Fig. 8, o aço produzido por metalurgia do pó apresentou uma tenacidade cerca de 4 vezes superior ao aço 8%Cr e, devido ao fato de possuir maior teor de vanádio, deve apresentar uma resistência ao desgaste 10 a 20% superior.

Faixa 55-57HRc

Nos casos de facas rotativas e outras aplicações com facas industriais onde se exige tenacidade mais elevada que o tradicional A2 e onde a primeira alternativa são os aços resistentes ao choque da família AISI S, como o S1 no Brasil, e o S7 nos Estados Unidos, os quais são normalmente utilizados na faixa de dureza entre 55 e 57 HR, o aço PM3V poderá substituir, ambos, com inúmeras vantagens. Isto se deve ao fato de o aço PM3V apresentar tenacidade similar, porém a resistência ao desgaste é muito superior, ou seja, aproximadamente 3 (três) vezes em relação ao S1 e 2 (duas) vezes em relação ao S7.

Faixa 54-56HRC

Em muitas facas industriais rotativas de alta produção para corte de chapas e bobinas a frio é muito utilizado aço o AISI H13, comumente na faixa de 54-56 HRC. O H13 acaba sendo uma alternativa, pois com aproximadamente 1%C, 5%Cr, 1,3%Mo e 1%V é ainda mais tenaz e resistente ao desgaste do que os aços da família S, pela combinação do teor carbono mais baixo (0,40%), cromo mais alto (5%), Vanádio (1,0%) e Molibdênio (1,3%), mais alto que os aços da família S. Porém, nessa faixa de dureza o H13 apresenta tenacidade inferior (~250J) se comparado com aplicações desse material em ferramentas para injeção ou extrusão de alumínio, onde é utilizado na faixa de dureza até 52 HRC. Nesta faixa de dureza alcança mais de 300 J. Assim sendo, o aço PM3V, embora menos tenaz que o H13 na dureza 54-56 HRC, é esperado apresentar uma resistência ao desgaste, aproximadamente, 2 vezes superior ao H13 e, portanto, tem potencial para aplicação nesta faixa também.

Conclusão

(I) A dureza e tenacidade ao impacto do tradicional aço AISI D2 e dois outros aços ferramentas para trabalho a frio de última geração, um com aproximadamente 1%C-7,6%Cr-1.4%Mo-1,8%V, denominado 8%Cr, e outro produzido por metalurgia do pó, com aproximadamente 0.80%C-7.8%Cr-1,3%Mo e 3,0%V, denominado de PM3V, foram comparadas após tratamento térmico a vácuo a temperaturas de austenitização de 1030°C, 1060°C e 1120°C, seguido de tratamento criogênico e 3 (três) revenimentos de 2 horas cada a 520 horas;

(ii) Os resultados mostraram que, para todos os aços investigados, quanto maior a temperatura de austenitização maior a dureza;

(iii) O aço 8%Cr apresentou a melhor resposta ao tratamento térmico atingindo durezas médias de 60, 61 e 64 HRC, após austenitização a 1030ºC, 1060ºC e 1120ºC

(iv) Os aços PM3V e AISI D2 apresentaram a mesma resposta ao tratamento térmico atingindo durezas médias de aproximadamente 57, 59 e 62 HRC após austenitização a 1030°C, 1060°C e 1120°C, respectivamente.

(v) Os resultados mostraram que, para todos os aços investigados, quanto mais alta temperatura de austenitização menores os valores de impacto;

(vi) O aço AISI D2 atingiu valores médios de impacto de 15, 11 e 6J a 1030°C, 1060°C e 1120°C, respectivamente, enquanto o aço 8%Cr atingiu valores médios de 25, 23 e 8J, e o aço PM3V atingiu valores médios de 100, 64 e 16J, respectivamente;

(vii) Os baixos valores de impacto encontrados a temperatura de austenitização de 1120°C, tratamento criogênico e revenimentos a 520°C restringem o uso desses aços somente nas aplicações onde elevada resistência ao desgaste é exigida e limitada tenacidade;

(viii) Os resultados mostraram que a melhor combinação de tenacidade e dureza foi conseguida a temperatura de austenitização de 1060°C.

(ix) Os resultados obtidos da correlação entre impacto e dureza mostraram que dois dos aços ferramenta podem substituir com vantagens aços convencionais similares à norma AISI D2, A2, S7 e H13.

(x) O aço 8%Cr pode substituir o AISI D2 em aplicações de facas industriais circulares e planas, onde se necessita melhoria de tenacidade para similar resistência ao desgaste

(xi) O aço PM3V pode substituir os aços AISI D2, A2, S1, S7 em aplicações de facas industriais circulares e planas, onde se necessita melhoria de tenacidade e superior resistência ao desgaste.

Referências

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2. YOKOI, D.; TSUJIII, N.; ISOMOTO, T.: Effect of Carbide Size on Mechanical Properties of Cold Work Tool Steels. In: JEGLITSCH, Franz; EBNER, Reinhold; LEITNER, Harald (ed.): Tools in the Next Century, Proceed. 5th Int. Conference on Tooling, University of Leoben, Austria, September 29th-October 1st, 1999, p 103-113;
3. NETTO, ELIANA B. M, ARIETA, FRANCISCO; SILVA, DOUGLAS; ERNST, CLAUDIA; PANNES, WOLFGANG: Microestructure and Distortion after Vacuum Treatment of Conventional and Recently developed Cold Work Tool Steels. In: ROSSO, M; ACTIS GRANDE, M; UGUES, D (ed): Toolig Materials and Their Applications from Research to Market, Proced. 7th Int Tooling Conference, Torino, Italy, May 2nd-5th, 2006, vol I, p 21-28;
4. NETTO, ELIANA B. M., ARIETA, FRANCISCO; BEUTLER, EWE, VON SOEST FRANK ERNST, CLAUDIA; PANNES, WOLFGANG: Tool Steels – Deciding Factor in Worldwide Production. Beiss, P., Broeckmann, C., Franke, S., e Keysselitz, B. (editors) Proceedings of the 8th Intern. Tooling Conference, Aachen , Alemanha, June 2-4, 2009, RWTH AACHEN UNIVERSITY Press, 2009, vol II, p 833-845;
5. JESPERSON, H.: Toughness of Tool Steels, ibid [2], p 93-102;
6. HEMPHILL, R.M., e WERT, D.E.: Impact and Fracture Toughness Testing of Common Grades of Tool Steels: Tool Materials for Molds and Dies. Krauss, G., e Nordberg, H. (editors)Proceedings of Int Conference St Charles, Illinois, USA, Sept 30 October 2, 1987, Colorado School of Mines Press , p 66-91;
7. DIXON, ROBERT B; STASKO W., PINNOW K.E.,: Particle Metallurgy Tool Steels, ASM HANDBOOK, Volume 7;
8. TOTH, L. E. em “Transition Metal Carbides and Nitrides”; Academic Press: New York, 1971.

 

  • Luiz Roberto Hirschheimer
    14 de agosto de 2017 at 13:42

    Artigo muito bem escrito, elucidativo e de fácil aplicação prática.

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