A era do gelo chegou à siderurgia global

No Brasil, a Era do Gelo transformou-se na Tempestade Perfeita. Os problemas externos se somaram a uma depressão econômica causada por um governo desgovernado

A siderúrgica chinesa Angang, ao publicar seu balanço final de 2015, em que foi verificado um prejuízo de 4,59 bilhões de yuans (algo em torno de US$ 700 milhões), registrou em seu relatório que “em 2015, a China desacelerou seu crescimento econômico e mostrou excesso em sua capacidade de produção de aço, lançando a siderurgia doméstica e mundial numa Era do Gelo”.

Esta tragédia já era anunciada. O boom verificado no consumo chinês de aço no início do milênio pegou o setor siderúrgico mundial completamente de surpresa, já que o mesmo se encontrava virtualmente estagnado há décadas. Mas, ao mesmo tempo em que importava aço numa escala nunca vista, o país também construía siderúrgicas numa escala igualmente inédita. Bastava um pouco de atenção para constatar que a bonança tinha seus dias contados. O que não se imaginava é que a ressaca seria tão intensa: o crack de 2008 e o esgotamento do crescimento chinês fizeram a crise atingir o paroxismo.

A inundação de aço chinês a preços aviltados no mercado internacional levou de roldão as siderúrgicas dos países que não protegeram adequadamente seu setor siderúrgico. O Reino Unido é o caso mais dramático, tendo a usina de Teeside fechado em Outubro passado e o restante das usinas de aços planos posto à venda pela Tata Steel, que as tinha adquirido há menos de nove anos, em meio à euforia chinesa.

No Brasil, a Era do Gelo transformou-se na Tempestade Perfeita. Os problemas externos se somaram a uma depressão econômica causada por um governo desgovernado, incapaz de qualquer reação frente às consequências funestas dos longos anos de sua grosseira incúria econômica. Em Janeiro deste ano foi desativado todo o setor de metalurgia primária da Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA, encerrando meio século de produção de aço bruto na Baixada Santista. O fechamento de usinas siderúrgicas não é algo inédito no Brasil – relembre-se, por exemplo, o caso da COSIM e da Aliperti – mas isso nunca ocorreu numa escala tão grande, numa usina integrada dotada de coquerias, cuja eventual recuperação requererá enorme investimento financeiro, algo virtualmente inviável a médio prazo. Quase simultaneamente foi anunciado o fechamento de altos-fornos nas usinas da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN e da Vallourec – que, ao menos, poderão ser reativados com relativa facilidade quando a demanda assim o exigir. Mas todas essas desativações implicaram na demissão de milhares de empregados, boa parte deles especializados, além de graves consequências econômicas nas regiões onde atuam, uma vez que todas as atividades de apoio requeridas pelas usinas não mais são necessárias.

E, se já não fosse suficientemente grave, esta situação confirmou o inferno astral da siderurgia brasileira, iniciado em Novembro passado com o rompimento da barragem de rejeitos de minério da Samarco, em Mariana (MG). A magnitude do desastre é imensa e, meses depois de ocorrido, os rejeitos continuam fluindo e poluindo centenas de quilômetros de rios e até mesmo o oceano, na foz do rio Doce. Ele já está sendo considerado como sendo o pior desastre ecológico de toda a história brasileira e, sem dúvida, está entre os maiores de todo o mundo. É decididamente impossível até tentar entender ou justificar sua extensão épica quando se lembra que tanto a Samarco como a Vale, sua controladora, são mineradoras de classe mundial e com longas décadas de experiência no ramo. Como deixaram que uma situação tão crítica assim pudesse existir? Afinal, como já disse Douglas Adams, em seu livro O Mochileiro das Galáxias: “A maior diferença entre uma coisa que pode pifar e uma coisa que não pode pifar de jeito nenhum é que, quando uma coisa que não pode pifar de jeito nenhum pifa, normalmente é impossível consertá-la”. Foi exatamente isso o que aconteceu.

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