Desafios em cenário macroeconômico difuso

O Brasil é um celeiro de contradições, porém não tiramos todo proveito de tal ambiente para a conquista de nossa posição no mundo. Com certeza, as organizações brasileiras poderão se beneficiar e assegurar o seu futuro por mudança dos seus padrões de pensamento, substituindo a abordagem do sucesso por inovações espontâneas ou acidentais pela lógica da “falta de lógica”; um modelo de pensamento ideal quando se deseja inovar num ambiente difuso.

Vivemos a era da inovação. Forças são arregimentadas visando um mundo de ventura social, tecnológica e econômica, aproveitamento inteligente dos recursos naturais e entrega de novos valores com alto grau de aproveitamento para a sociedade. Ainda que a ciência venha trazendo contribuições inestimáveis para os modelos de gestão da inovação, observa-se no campo da aplicação a dificuldade das organizações para internalizar tal conceito no seu ambiente de trabalho.

É consenso que o caminho da inovação leva à sobrevivência de longo prazo, porém a natureza abstrata deste conceito impõe desafios a todos. Inúmeras organizações adotam sistemáticas de gestão da inovação sem sucesso face à concorrência. Conseguiremos gerenciar ideias e resultados disruptivos, ou permaneceremos muito próximos do comum? Inovar significa otimizar ou expandir as fronteiras do negócio? Sessões de “brainstorming” buscam preencher os funis de inovação com o máximo de ideias possíveis. Esta prática tem limitações quando a busca é de caminhos inovadores que tragam resultados financeiros confiáveis.

Observa-se uma lacuna estratégica, somente vencida quando se toma por base o uso de padrões de pensamento diferenciados na superação de contradições.

Segundo o Prof. Dr. Herbert Pietschmann, nossa forma de pensar na busca e solução de problemas ainda segue padrões de pensamento mecanicistas baseados na lógica aristotélica de busca de soluções livres de contradições[1]. Este conceito é expandido pelo Prof. Dr. Gunther Herr quando propõe que o processo de inovação nas organizações se dê em três momentos caracterizados pela definição dos padrões de pensamento do ambiente de negócios que definem a atual falta de competitividade, a expansão da sua fronteira de atuação com a formulação de contradições chave; novas abordagens e questionamentos ilógicos que levem a desafios paradoxais limitadores da capacidade de inovação, e a solução do paradoxo ou contradição[2].

A adoção destes três momentos leva a soluções inovadoras e propicia um salto tecnológico para níveis superiores na maratona competitiva. Empresas inovadoras mundiais já incorporaram a “falta de lógica” como nova forma de pensamento estratégico antecipando-se aos seus competidores.

Como afirma o Prof. Dr. Gunther Herr: “Uma contradição é uma situação de desespero que nos dias atuais buscamos resolver a partir de pensamento mecanicista por meio de compromissos”[2].

A fuga do conflito pelo compromisso limita o processo criativo e afasta as organizações do seu sucesso de longo prazo.

Para o Prof. Dr. Gunther Herr, “a inovação refere-se a uma solução de desafios contraditórios, que é resolvida a partir de uma situação difusa e, em seguida, é aplicada com êxito na prática[3]. ”

Vejamos como aplicar tais conceitos nos desafios do cenário atual brasileiro e tomemos como exemplo responder à seguinte pergunta: Quais desafios deverão ser vencidos por parte das empresas do setor automotivo quando da retomada do crescimento?

O primeiro passo para se abordar o tema é coletar tendências de mercado, baseando-se em depoimentos de representantes do segmento em análise. A revista Automotive Business na sua publicação de Agosto de 2016 apresenta uma edição especial com depoimentos e prognósticos de expoentes dos diversos atores do segmento automotivo quando do Workshop Planejamento Automotivo 2017 realizado em SP, que são apresentados a seguir resumidamente[4]:

Visão da ANFAVEA – Antônio Megale, presidente da Anfavea[4]
“…. No fim do ano os primeiros sinais de aceleração começarão a aparecer…a janela de oportunidades para a indústria automotiva nacional é o mercado externo…esforço da Anfavea junto ao governo para fechar novos acordos comerciais bilaterais e renovar os antigos, como no caso da Argentina…precisamos de previsibilidade também para as exportações, assim como no mercado interno…o câmbio na faixa de R$ 3,20 a R$ 3,30 permite que a indústria exporte com bom nível de retorno…”

Visão dos Especialistas – Letícia Costa, diretora da Prada Assessoria[4]
“… As empresas de fato se preocupam com produtividade, mas o tratamento dado é inapropriado… o câmbio não estará necessariamente mais favorável em 2017… a indústria encare o mercado externo como uma oportunidade de longo prazo e não um escape pontual baseado na atratividade cambial…a importância de manter o foco no aumento de produtividade…o assunto é encarado apenas como redução de custos e otimização de recursos operacionais – e não é só isso…essa preocupação deveria estar vinculada a inovações tecnológicas em processos produtivos e qualificação da mão de obra. São investimentos que dão retorno…”

Visão dos Especialistas – Reynaldo Saad, Sócio da Deloitte[4]
“… Setor automotivo tem mudança à vista. A indústria se adapta às novas tecnologias e à evolução da mobilidade…o futuro não é mais daqui a cinco anos…o futuro pode ser amanhã e as empresas precisam pensar fora da caixa para atender a essa expectativa…inovação é a palavra de ordem para o setor automotivo…apenas com inovação as empresas conseguirão acompanhar as transformações em curso…na mobilidade…na tecnologia…no desejo do consumidor informado e consciente…na preocupação ética e ambiental…no compartilhamento de carros…no conceito de posse do veículo…no poder das mídias sociais…no desafio de fidelizar as pessoas…na novidade dos veículos autônomos…na chegada de novos players…nas outras formas de posicionamento do produto e das empresas….”

Visão do SINDIPEÇAS – Dan Ioschpe, Presidente do Sindipeças[4]
“… Precisamos ajudar as empresas nacionais a cumprir função global…é bom que a gente dependa menos do mercado brasileiro e tenha maior participação no mercado global…setor de autopeças abatido pelo cenário econômico e pela falta de competitividade… recebeu forte impacto com a redução das encomendas das
montadoras…a retomada será lenta…patamar de 4 milhões de veículos por ano por volta de 2023 ou 2024…potencial de mercado doméstico de até 6 milhões de veículos…”

Visão do SINDIPEÇAS – George Rugitsky, Conselheiro do Sindipeças[4]
“… Sindipeças projeta retomada lenta…Brasil voltará à casa dos 2,4 milhões de veículos apenas em 2020…A indústria automobilística brasileira levará quatro anos para voltar à casa dos 2,4 milhões de unidades produzidas…uma pequena alta está prevista já para o segundo semestre de 2016…nossa previsão é bem mais conservadora que a da Anfavea…”

Visão do SINDIFORJAS – Harry Kahn, presidente do Sindiforja e diretor comercial da Cinpal[4]
“… Crise automotiva derrete lucro das forjarias…retomada depende do setor automotivo…setor de forjarias, que está fortemente ligado ao desempenho do segmento automotivo…no quadro econômico que estamos vivendo atualmente não há como estabelecer metas para exportações no setor de forjados, até porque
a presença dos concorrentes importados é muito forte e com preços impraticáveis…o Inovar-Auto, criado em 2012 com grande expectativa do segmento automotivo, não trouxe resultados práticos para o setor de forjados….”

Pode-se depreender desses depoimentos que os seguintes desafios contraditórios devem ser solucionados para a retomada do crescimento brasileiro:

Desafios Contraditórios – Grupo 1
– Produzir rapidamente para responder ao crescimento de demanda;
– Reativar linhas de produção.

Desafios Contraditórios – Grupo 2
– Contratar e treinar força de trabalho;
– Absorver tecnologias emergentes;
– Crescer em exportações.

Desafios Contraditórios – Grupo 3
– Manter custos baixos;
– Ser mais competitivo no Brasil do que o importado;
– Desenvolver novas tecnologias rapidamente;
– Desenvolver novos produtos rapidamente.

Desafios Contraditórios – Grupo 4
– Sobreviver;
– Estar num oceano azul, longe da concorrência mundial.
A figura 1 apresenta os desafios contraditórios com seus respectivos parâmetros orientadores do sistema para a solução da contradição e consequente inovação nas áreas estratégicas segundo o modelo de colunas WOIS[3].

Recursos

Introduzir novas matérias-primas e aumentar o aproveitamento dos insumos apesar do grau de especialização dos materiais.

Organização

Reativar linhas de produção e responder ao crescimento da demanda apesar do “lead-time” de fabricação.

Tecnologia

Desenvolver novos produtos e tecnologias e aumentar a competitividade apesar da força de trabalho.

Mercados

Introduzir tecnologias emergentes e crescer em exportações apesar do custo de fabricação.

Criação de valor

Aumentar a distância dos concorrentes e sobreviver apesar dos investimentos em P&D. As empresas que forem bem-sucedidas em solucionar as contradições propostas, usando o parâmetro do sistema para a busca de ideias inovadoras e se preparando pela sua aplicação nos seus processos organizacionais são as melhores candidatas ao salto competitivo face à concorrência de mercado, quando da retomada do crescimento do setor automotivo brasileiro. Ainda que de forma limitada, pode-se notar que algumas empresas do setor já estão nesse movimento de retomada, apesar dos fatores macroeconômicos do ambiente de negócios brasileiro.

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[1] Pietschmann, H.: Eris &Eirine, Eine Anleitung zum Umgang mit Widersprüchen und Konflikten, Ibera Verlag, Wien, 2002;
[2] Herr, G.: Innovation Excellence: Zukunftsfähigkeit erfordert Widerspruchslösungen – Innovation Leadership vs. Operatinal Excellence, Innovation Management Support, Diesel Kuratorium, Ausgabe 2, April 2016, Seite 8 bis 17;
[3] Herr, G.; Rehklau, A.; Linde, H.: WOIS – Wiederspruchsorientierte Innovationsstrategie. Philosophie und Technologie zur Innovation der Innovationsprozesse, 7. WOIS Innovations-Symposium – Mastering Strategic Innovations, 18.-19. Oktober 2005, Coburg, S. 15 bis 59;
[4] Revista Automotive Business, número 40, ano 8, agosto de 2016, pg. 50-55, 60-64 e 68.

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