Endurecimento de superfície: Comparando HPGQ, óleo e sal

Para que fabricantes e tratadores térmicos estejam bem informados ao decidir qual equipamento para endurecimento de superfície comprar, é preciso mais do que conhecimento teórico a respeito dos processos que eles estejam considerando. Estes profissionais precisam, também, estar atentos às implicações práticas que podem afetar cada um dos processos individualmente

Endurecimento de superfície pode ser definido como o tratamento que promove o aumento da dureza e da resistência superficiais de uma peça de aço ou de outra liga, enquanto seu núcleo é mantido com maior ductilidade. A cementação e o aquecimento diferencial (indução) são tipos de tratamentos de endurecimento de superfície, responsáveis pela formação da camada endurecida; ao final desta etapa, a peça inteira é temperada. É durante o tratamento de endurecimento que a espessura da camada é determinada, enquanto a têmpera influencia na dureza final do material.

Para responder a questões sobre este tipo de processo e sobre os equipamentos relacionados, a seguir é apresentada uma revisão que mostra como a qualidade e tipo de equipamentos usados influenciam na espessura da camada formada.

Duas Microestruturas

São dois os tipos de microestruturas desejadas ao se realizar têmpera em ligas ferrosas: a martensita e a bainita. Em cada caso, as curvas TTT (Transformação-Tempo-Temperatura, Fig. 1) e CCT (Continuous-Cooling-Transformation, ou seja, Transformação sob Resfriamento Contínuo, mostrada pela Fig. 2) ditam qual a fração de fase (ou microconstituinte) é formada em função do tempo e da temperatura de tratamento. A curva TTT mostra qual o produto de transformação durante tratamentos isotérmicos: a liga é mantida em uma temperatura específica, durante tempo específico para formação da microestrutura desejada. A bainita é uma das microestruturas de interesse e pode ser obtida desta maneira; a martensita, por sua vez, é formada ao se resfriar o aço a uma taxa suficientemente alta, que evite o “nariz” da curva CCT de formação da perlita, e passe pelo ponto Ms. A bainita pode ser obtida em maior quantidade no núcleo e, também, em frações menores na camada cementada, caso a têmpera seja feita muito lentamente.

LPC/HPGQ e Indústria Automotiva

Não é surpresa que os fornecedores de equipamentos para LPC (cementação a baixa pressão, low-pressure carburizing) e HPGQ (têmpera a gás de alta pressão, high-pressure gas quench) vêm comemorando e divulgando seu sucesso em adentrar o mercado de tratamentos térmicos da indústria automotiva. As razões para este desenvolvimento são, basicamente, duas:

1. LPC, ou cementação a vácuo, é um processo mais veloz quando a espessura da camada é inferior a 1,75 mm;

2. HPGQ, devido ao seu mecanismo de transferência de calor ser apenas a convecção, reduz a distorção em componentes de sistemas de transmissão secundária.

Evolução do HPGQ

Muitos profissionais da área de tratamento térmico sabem que a cementação a vácuo (LPC) se tornou um processo bastante difundido e usado, mas talvez ainda não estejam atualizados em relação à têmpera a gás de alta pressão (HPGQ). A primária combinação de LPC e HPGQ, feita com gás hélio na Europa, foi considerada como a melhor solução para cementação e têmpera de peças críticas para os CVTs (transmissão continuamente variável). Contudo, conforme as indústrias automobilísticas nos Estados Unidos foram perdendo interesse pelos CVTs, a aplicação do processo foi direcionada para o desenvolvimento de transmissões automáticas de seis velocidades.

Consequentemente, assim que o custo dos sistemas de reciclagem de hélio, dos compressores e da manutenção associada a eles se tornou muito alto, o nitrogênio voltou a emergir como o componente mais favorável e de menor custo para o processo HPGQ. Quando o peso das cargas se aproxima da capacidade máxima de 1.000 kg, no entanto, o uso de 20-bar de gás hélio não pode ser evitado.

Como resultado da taxa de resfriamento mais baixa proporcionada pelo nitrogênio, aços com maiores teores de elementos de liga, engrenagens mais leves e cargas mais leves para os tratamentos passaram a ser uma necessidade. A Fig. 3 contém uma tabela que mostra coeficientes de severidade de têmpera para diferentes meios de resfriamento e de sistemas de agitação; os sistemas de 20-bar de nitrogênio e 20-bar de hélio estão indicados para facilitar a comparação de valores.

Hélio versus Nitrogênio

É importante notar que a severidade da têmpera para a agitação com 20-bar de nitrogênio, mostrada pela Fig. 3, tem apenas função comparativa, uma vez que é basicamente inviável ter um motor/ventoinha com a velocidade de gás requerida para acomodar uma carga de 1.000 kg. A densidade do hélio é de 0,011 libras/pés³ (0,17 kg/m³) e a do nitrogênio, de 0,079 libras/pés³ (1,2 kg/m³). Para uma câmara com capacidade de 1.000 kg, a agitação com 20-bar de hélio necessita de motores de 200-cv (cavalo-vapor, ou horse-power); a agitação com 20-bar de nitrogênio, apenas por conta da diferença de densidade entre os dois gases, precisa de um motor de 2.800-cv para funcionar. É claro que, se for especificado um meio de 10-bar de nitrogênio, a carga a ser tratada e a câmara do forno deverão ser extremamente pequenas para que seja possível acomodar a combinação motor/ventoinha – provavelmente uma camada única de peças ocupando em torno de 0,185-0,28 m².

Apesar do método HPGQ ter se tornado popular por reduzir a distorção de peças, tenha em mente que a dureza do núcleo dos aços temperáveis não pode ser equiparável à dureza atingida por têmpera em óleo para uma mesma quantidade de carga tratada.

Tratadores Térmicos Comerciais e Fornos de Câmara para Têmpera Integral

Cementação endotérmica e têmpera a óleo são as escolhas decisivas dos profissionais da área de tratamento térmico comercial devido à inerente flexibilidade dos Fornos de Câmara para Têmpera Integral (Integral-Quench Batch Furnace, IQBF). Com a cementação e a têmpera a óleo (quente ou frio), é possível aumentar a dureza da mais ampla gama de ligas ferrosas. Ainda, com o contínuo desenvolvimento de componentes não metálicos para a zona de aquecimento, os IQBF serão capazes de processar os novos aços microligados com tamanho de grão restrito em altas temperaturas.

Sistemas de transmissão para carros off-road e caminhões e mancais de ferroviários são exemplos de peças que precisam de têmpera a óleo. Ao se fazer a montagem correta da carga no sistema HPGQ, é possível reduzir a distorção em peças destes tipos que tenham tamanhos apropriados, contudo, para componentes de sistemas de transmissão com dimensões muito grandes, nem mesmo as melhores condições de HPGQ proporcionam redução de distorção equivalente à obtida por têmpera a óleo em prensa.

Tópicos Básicos sobre Têmpera

Eliminar a distorção durante a têmpera tem sido e continuará sendo o Santo Graal do endurecimento superficial. Em qualquer processo de têmpera (incluindo o HPGQ), o objetivo é reduzir a camada limite em torno da superfície da peça. A camada limite consiste no fluido estático formado naturalmente que se encontra em contato imediato com a superfície da peça.

Obviamente, o fluido de têmpera – líquido ou gasoso – que não se encontra próximo à superfície da peça irá atingir maior velocidade, proporcional à energia envolvida no processo. Portanto, o objetivo de se trabalhar com agitação em um líquido ou com uma ventoinha é perturbar a camada limite e, assim, aumentar a transferência de calor para a peça. Ao utilizar um líquido (por exemplo, imersão em óleo), a densidade do fluido reduz a camada limite, exceto em pontos nos quais uma barreira de filme de vapor é formada. Neste caso, precisa-se de agitação ou de velocidade de gás para quebrar a camada limite, permitindo que o gás resfriado ou líquido aquecido se misturem com o volume mais frio no tanque de têmpera.

Trocadores de Calor (Gás-para-Água)

Gás pressurizado presente no processo HPGQ aumenta a densidade do fluido. Como consequência, quanto maior a densidade do gás maior é a contribuição para o coeficiente de transferência de calor por convecção (hc). A condutividade térmica do gás, a capacidade térmica (Cp) e a viscosidade absoluta são os parâmetros que determinam a efetividade do processo HPGQ. Em HPGQ, o trocador de calor à base de água resfriada é o responsável pelo mecanismo de remoção de calor da câmara de têmpera.

Assim como o gás pressurizado de alta densidade, trocadores de calor de aletas de cobre têm, também, o efeito de aumentar o coeficiente de transferência de calor da superfície da peça. Trocadores de calor são dimensionados para transferir energia calorífica para a água e eliminar todas as possibilidades de formação de vapor.

Para que um trocador de calor HPGQ tenha eficiência máxima, é preciso que o mesmo consiga remover a maior quantidade de calor possível do gás, a cada passe sucessivo. Isto leva à importância da área superficial e do formato de aleta do dispositivo. No início do processo de HPGQ, por exemplo, supõe-se que o gás passando pela entrada do trocador de calor, a partir da peça, esteja com temperatura de 538°C; este gás, ao deixar o trocador de calor após um passe, pode chegar a 482°C. Portanto, a porção mais crítica do ciclo de resfriamento é quando a diferença de temperatura entre a água de chegada e o gás é pequena, diminuindo, assim, a transferência de calor. É também neste período do ciclo que os motores dos recirculadores consomem a maior potência.

Tanques de Óleo de Têmpera

Tanques de óleo de têmpera são dimensionados para minimizar a variação de temperatura do óleo. Tipicamente, o aumento de temperatura é mantido em 10°C e ocorre gradualmente ao longo de 10 minutos de imersão. Por exemplo, se uma carga de 1.361 kg a 843°C é temperada em 13.250 L de óleo, o mesmo irá sofrer um aumento de 11°C em 10 min. Tanques para óleo de têmpera também possuem seus trocadores de calor (ar para óleo), mas estes são projetados para remover calor em função do tempo antes que uma próxima peça seja temperada.

Bainita e Austêmpera

A austêmpera não é classificada como um tratamento de endurecimento superficial, contudo, ao se trabalhar com peças grandes, os dois tratamentos exibem características similares. Na região superficial da peça é formada bainita inferior, enquanto a bainita superior é obtida no núcleo. Nos anos 1920, Davenport e Bain descobriram a bainita e esta, por sua vez, é desenvolvida isotermicamente em temperaturas acima da Ms.

Os autores identificaram duas formas primárias deste microconstituinte: a bainita superior, mais mole, e a bainita inferior, mais dura. Por décadas, a austêmpera foi o processo empregado para formar bainita ao se temperar o aço em banho de sal e mantê-lo isotermicamente em uma temperatura abaixo do nariz da perlita e acima da Ms. A quantidade e os tipos de elementos de liga presentes no aço determinam qual o tempo necessário para a formação da bainita.

Nas curvas CCT de aços baixo-carbono, as regiões de formação de perlita e de bainita se sobrepõem, fazendo com que a temperatura de início de formação da bainita seja difícil de determinar. O mesmo não ocorre para aços alto-carbono. Teores elevados de carbono diminuem a temperatura de formação da bainita, da mesma maneira que diminuem a da martensita, e, assim, a bainita inferior é obtida. Por conta do desejo de encontrar o Santo Graal do endurecimento superficial, a austêmpera reapareceu com boa popularidade. Todavia, a bainita ainda apresenta um grande obstáculo: ela não possui os mesmos valores de dureza que a martensita.

Mas, talvez, isso não seja uma regra. Ao examinar a Fig. 1 mais atentamente, podemos observar que o aço 52100 tem uma Ms de 249°C e a dureza esperada está ligeiramente acima de 58 HRC, após encharque de aproximadamente 30 minutos. Como não é necessário realizar revenimento, ganha-se tempo de tratamento. A Fig. 4 mostra aços que são adequados à austêmpera.c

A Bainita Leva a uma Expansão Previsível e Reduzida da Peça

Os maiores benefícios da bainita são a tenacidade e a ductilidade. Sendo assim, o processo de austêmpera nunca teve a necessidade de alterar seu princípio básico. Outro benefício importante da bainita é seu crescimento dimensional uniforme. A martensita se forma instantaneamente quando a temperatura cai abaixo da Ms, porém, a transformação cessa caso a temperatura pare de diminuir. Logo, a taxa com a qual a martensita é formada se altera facilmente e isso provoca distorção da peça. O tratamento de austêmpera em banho de sal, por outro lado, mantém precisamente a temperatura da zona de formação da bainita, permitindo que ocorra a transformação de austenita em bainita. A velocidade com que esta transformação se inicia, assim como o seu mecanismo, estão abertos para discussão.

Um ponto incontestável é que, uma vez iniciada, a transformação bainítica prossegue a uma taxa proporcional ao teor de elementos de liga. Mas, é uma reação de mecanismo displascivo ou controlado por difusão, como discutido detalhadamente em uma das referências usadas neste artigo? Seja como for, quando o aço for temperado em sal e mantido na temperatura correta, a bainita inferior será formada, resultando em uma expansão volumétrica da peça que equivale à metade da proporcionada pela transformação martensítica. E quando a concentração de carbono é mais alta, como no aço 52100, é possível que a bainita atinja durezas próximas às da martensita.

Para mais informações: Contate Jack Titus, AFC-Holcroft, Tel: +1 248-668-4040; email: jtitus@afc-holcroft.com; web: www.afc-holcroft.com.

 

  • Luiz Roberto Hirsschheimer
    18 de agosto de 2016 at 19:33

    Trabalho muito interessante, que orienta bem o tipo de equipamento mais adequado para ser utilizado em caso específico de peça/ componente a ser tratado. Evidentemente, faltam detalhes, como, por exemplo, qual é a máxima espessura que uma peça pode ter, para que, num processo de austêmpera, toda sua secção transversal seja constituída por bainita. Tenho a certeza, porém, que detalhes sempre poderão ser respondidos pelo autor do artigo técnico.

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