Novos aços para um mundo sustentável

As três décadas posteriores à II Guerra Mundial – os “Trinta Anos Magníficos”, no entender dos franceses – testemunharam um enorme avanço tecnológico, alavancado pela vigorosa recuperação econômica que se seguiu à destruição promovida pelo conflito e tendo como pano de fundo a Guerra Fria e suas derivações, como a corrida espacial. Esse avanço se refletiu na área dos materiais, os quais se tornaram cada vez mais baratos e sofisticados. Dois avanços particularmente decisivos nessa área foram o surgimento da aciaria a oxigênio, que aumentou a produtividade das siderúrgicas, e a expansão da petroquímica, que permitiu a síntese de resinas plásticas a custo baixíssimo. Bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, tornaram-se plenamente acessíveis a praticamente todas as classes sociais. Esse período também foi caracterizado por uma expansão demográfica sem precedentes, o chamado baby boom, certamente uma compensação natural pelas perdas do conflito, associada a um ambiente econômico promissor e às melhores condições de vida.

A combinação explosiva de uma sociedade de consumo cada vez mais sofisticada com a explosão demográfica implicou numa demanda cada vez maior por matérias primas e energia. Tornou-se necessário ampliar cada vez mais a infraestrutura necessária para atender a essas necessidades, como as instalações para extração e condução de petróleo e seus derivados, usinas para geração de energia, obras viárias, navios, etc. Isso motivou, já em meados da década de 1960, o desenvolvimento de chapas grossas de aços estruturais microligados ao Nb, Ti e V, com alta resistência mecânica e baixo teor de elementos de liga. Boa parte da resistência mecânica desses novos aços estruturais é conseguida através do refino do tamanho de grão microestrutural ao invés da presença de constituintes ricos em carbono, como a perlita. Isso permite conciliar alta resistência mecânica com boa tenacidade, permitindo reduzir a espessura das estruturas, as quais frequentemente estão sujeitas a solicitações mecânicas e ambientais muito severas. Além disso, seu teor de carbono é menor, reduzindo significativamente os custos de sua soldagem.

As várias crises ocorridas no Oriente Médio durante a década de 1970 golpearam fundo o setor automotivo, carro-chefe da economia mundial. E, já que o problema tinha chegado para ficar, não restou outra solução às indústrias automobilísticas a não ser reduzir o consumo de combustível de seus veículos das mais variadas formas. Uma delas consiste na redução de seu peso através do uso de materiais mais leves. Essa decisão representou um sério desafio à posição do aço nesse setor, que passou a sofrer o assédio direto das ligas leves e resinas plásticas. As siderúrgicas tiveram de iniciar um desenvolvimento intensivo de novos aços com maiores níveis de resistência mecânica, permitindo assim a redução da espessura das estruturas e peças automotivas com a consequente diminuição de seu peso. Trata-se de uma tarefa complexa: até então a obtenção de maiores níveis de resistência mecânica nas chapas de aço degradava sua estampabilidade. A conciliação dessas duas propriedades impôs o desenvolvimento de aços com microestruturas muito diferentes em relação ao padrão ferrita-perlita então consagrado. Já na primeira metade da década de 1970 surgiu o chamado aço bifásico, que conciliava essas duas características aparentemente incompatíveis. Ele apresenta microestrutura constituída de 80% de ferrita macia mais 20% de martensita dura. As ilhas de martensita restringem o escoamento da ferrita durante a estampagem, elevando a resistência mecânica da peça durante a conformação.

A partir de então a situação não mudou. O advento de uma nova ordem econômica marcada pela globalização e acirramento da competitividade, a eterna instabilidade política dos países produtores de petróleo e a crescente conscientização ambiental fazem com que a indústria automotiva se preocupe continuamente em garantir a sustentabilidade de seus produtos. Paradoxalmente, os automóveis de hoje possuem cada vez mais itens de conforto e segurança – vidros elétricos, ar condicionado, direção hidráulica, airbags… – que impõem um peso extra que tem de ser compensado pela redução da massa em seus componentes estruturais.

Uma das principais respostas da siderurgia mundial a esse desafio contínuo foi o Projeto ULSAB – Ultra Light Steel Auto Body, onde várias usinas do mundo trabalharam cooperativamente para projetar uma carroceria automotiva que tomasse pleno proveito das vantagens oferecidas pelos mais novos tipos de aço – que já não são poucos. Aos aços bifásicos seguiram-se vários outros, desenvolvidos ao longo dos últimos trinta anos, com microestruturas cada vez mais complexas que visam proporcionar ganho de resistência mecânica com perda mínima de estampabilidade, como os dotados de plasticidade induzida pela deformação (TRIP), com fases complexas, martensíticos, para estampagem a quente e, bem mais recentemente, com plasticidade induzida por maclação (TWIP). Eles acabaram levando à definição de uma nova classe de materiais, os Aços Avançados de Alta Resistência (AHSS, Advanced High Strength Steels).

Todo esse esforço tem mantido a primazia do aço na indústria automotiva, a despeito dos impressionantes avanços feitos pelos outros materiais. Contudo, ainda há muito trabalho a fazer, especialmente no sentido de proporcionar aos fabricantes de automóveis o completo domínio do processamento desses novos aços, de forma que eles consigam extrair todo o potencial competitivo que eles encerram.

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