Os tratamentos termomecânicos garantem a competitividade dos produtos planos de aço

O avanço na ciência metalúrgica e na tecnologia de equipamentos, instrumentação e automação viabilizaram a aplicação confiável de tratamentos termomecânicos para a fabricação de produtos planos que anteriormente requeriam tratamentos térmicos adicionais caros e demorados. Mas ainda há casos onde o tratamento térmico é insubstituível

Há cinquenta anos, a laminação a quente era conduzida quase que exclusivamente para modificar as dimensões dos produtos. Seus parâmetros eram definidos buscando maximizar a produtividade da linha sem exceder seus limites, e com amplas faixas de amplitude para facilitar a operação. Nos casos mais críticos, onde a laminação a quente não conseguia proporcionar as propriedades mecânicas desejadas ao produto, procedia-se então ao seu tratamento térmico, em condições bem mais controladas de evolução de temperatura. Essa situação até era compreensível naquela época, considerando-se as limitações industriais então existentes em termos de equipamentos, automação, instrumentação e conhecimento sobre a metalurgia do aço.

Mas ficava a questão: afinal, por que não obter o produto acabado diretamente da laminação a quente, eliminando-se um novo reaquecimento? A princípio, desde que haja compatibilidade entre as evoluções de temperatura da laminação a quente e do tratamento térmico, pode-se pensar em unir esses dois processos num só, dando origem ao chamado tratamento termomecânico. Ele abrevia a cadeia de processos, mas requer cuidado e disciplina durante sua execução, requerendo coordenação precisa entre os momentos em que as deformações são aplicadas ao esboço de laminação e sua evolução de temperatura para que ocorram as transformações metalúrgicas necessárias para se obter propriedades finais desejadas pelo cliente. O risco de erro durante a execução manual desse procedimento é relativamente alto; além disso, imprecisões na medição da temperatura – causadas, por exemplo, pela presença de água, vapor ou carepa grosseira sobre o esboço – também podem comprometer os resultados obtidos.

O atual ambiente econômico favorece amplamente a racionalização proporcionada pelos tratamentos termomecânicos. O mercado siderúrgico tornou-se muito mais competitivo, exigindo que as usinas se tornassem mais eficientes e reduzissem o custo de seus produtos. Os ciclos de resfriamento e aquecimento do produto que está sendo processado foram questionados e eliminados ao máximo. O progresso da ciência metalúrgica, juntamente o ocorrido nas áreas da informática, instrumentação e mecânica, permitiu melhor controle dos parâmetros de processo da laminação a quente, viabilizando a aplicação consistente dos tratamentos termomecânicos. Assim se tornou possível dispensar o tratamento térmico adicional em vários tipos de produtos – o qual incorre em maiores custos, impactos ecológicos e prazos de entrega.

Praticamente todo produto siderúrgico conformado a quente pode ser submetido a tratamento termomecânico. Contudo, neste trabalho, somente serão relatados os desenvolvimentos mais relevantes na área dos tratamentos termomecânicos aplicados em produtos planos de aço.

Chapas Grossas

Determinadas aplicações de chapas grossas de aço de baixo C, com espessuras entre 5 e 60 mm, requerem resistência mecânica e tenacidade elevadas. É o caso, por exemplo, de tubos para oleodutos e gasodutos, plataformas marítimas, cascos de navios, pontes, etc. Nesse caso é vital que a microestrutura da chapa apresente tamanho de grão refinado e uniforme, pois o refino de grão é o único mecanismo de endurecimento microestrutural que favorece tanto a resistência mecânica como a tenacidade dos metais.

A primeira opção para se conseguir essa microestrutura refinada foi o tratamento térmico de normalização. Seu principal objetivo é padronizar as propriedades mecânicas das chapas grossas, eliminando o efeito das variações nas condições de laminação. Mas esse tratamento pode proporcionar benefícios metalúrgicos adicionais. A alta temperatura da fase de austenitização homogeneíza a distribuição dos elementos de liga, minimizando o bandeamento da microestrutura. E, caso a temperatura de austenitização aplicada nesse tratamento seja menor do que a temperatura de final de laminação da chapa grossa, a transformação da austenita, que ocorre durante o resfriamento ao ar, refinará o tamanho de grão do material.

O melhor controle dos parâmetros de processo na laminação a quente fez surgir uma oportunidade para substituir o tratamento térmico de normalização pela sua variante termomecânica. Basta que o esboço, ao final de sua laminação, apresente temperatura igual à da fase de austenitização da normalização. Esse é o princípio da assim chamada laminação de normalização, processo já reconhecido por diversas normas técnicas para a produção de chapas grossas normalizadas com espessura de até 40 mm. Recomenda-se ainda que a redução de espessura aplicada em cada passe da laminação de normalização seja de no mínimo 15% para garantir que o aço sofra recristalização total até o próximo passe e refine ao máximo sua microestrutura. Essa condição é plenamente viável no caso de chapas grossas, que são produzidas em laminadores reversíveis, onde o intervalo de tempo entre passes é da ordem de vários segundos, permitindo assim a plena recristalização do aço.

Os efeitos desse tratamento termomecânico sobre o tamanho de grão do produto podem ser vistos esquematicamente na Fig. 1, mais especificamente nos dois casos da esquerda, denominados “Recristalização Y”. Como se pode observar, o abaixamento da temperatura final de laminação leva à redução no tamanho de grão austenítico – ou, em outras palavras, a um aumento da área interfacial entre eles. Esta é uma região preferencial para a nucleação dos novos grãos de ferrita durante a transformação da austenita que ocorre durante o resfriamento do material até a temperatura ambiente. Logo, o aumento dessa área promove a formação de maior número de grãos de ferrita, os quais apresentarão menor tamanho sob temperatura ambiente, já que o espaço total disponível para eles é fixo.

Contudo, há casos onde os níveis de resistência mecânica e tenacidade são altos demais para ser conseguidos de forma eficiente usando-se normalização. A Fig. 2 mostra um caso já clássico: a evolução das chapas grossas destinadas à fabricação de tubos de grande diâmetro usados na condução de gás e óleo. No final da década de 1960 o melhor material para essa aplicação era definido pela norma API 5L-X60, que especificava limite de escoamento mínimo de 414 MPa (60 ksi). Esses tubos eram produzidos a partir de chapas grossas normalizadas de aço de baixa liga ao V contendo 0,20% de C, cuja resistência mecânica decorria não só do refino de grão, mas também da fração relativamente alta de perlita na microestrutura e da precipitação de compostos de V após a normalização.

A indústria petrolífera, cada vez mais forçada a explorar regiões remotas e com clima severo, desejava reduzir o peso dos tubos para reduzir os custos de construção e operação dos dutos. Portanto, passou a demandar aços com níveis ainda maiores de resistência e sem sacrifício de sua tenacidade. E, de preferência, com valores de Ceq mínimos, para reduzir os custos de soldagem. A resposta a esse desafio requereu o uso de um elemento de liga até então desconhecido, o Nb, em teores muito pequenos, da ordem de 0,010 a 0,050%, resultando daí a designação aço microligado. Esse aço deve ser processado através de um tratamento termomecânico específico, a chamada laminação controlada, desenvolvido no início dos anos 1970. Aqui a maior parte da deformação da placa deve ser feita sob alta temperatura, entre 1250 e 1050°C, ocorrendo recristalização plena da austenita entre os passes. Numa faixa de temperaturas inferior, entre aproximadamente 1050°C e 900°C, o Nb começa a retardar a cinética de recristalização da austenita, mas de forma incipiente. A laminação do material deve ser evitada nessa etapa, pois a recristalização incompleta pode dar origem a uma microestrutura heterogênea que afetará a tenacidade do produto. A laminação só pode ser retomada a 900°C pois, sob tais condições, a ação do Nb é plena, fazendo com que a austenita encrue progressivamente até o final da laminação. Esse encruamento intenso promove a formação de bandas de deformação no interior dos grãos que aumentam a quantidade de sítios favoráveis para ocorrer a nucleação de grãos de ferrita durante o resfriamento do esboço após a laminação. Esta condição microestrutural é mostrada na Fig. 1 pelo terceiro círculo da esquerda para a direita. O maior refino no tamanho de grão permitiu o aumento da resistência mecânica dos tubos de grande diâmetro para o grau API 5L-X70, com limite de escoamento mínimo de 483 MPa, viabilizando ainda a redução da contribuição da perlita e dos precipitados do V às propriedades mecânicas. Logo, o teor de C e V do aço pôde ser reduzido em relação ao antigo grau X60, conforme se pode observar na Fig. 2, além de se abandonar o tratamento adicional de normalização.

Mas o progresso não parou aí, pois as demandas tecnológicas da indústria petrolífera evoluem ininterruptamente. Novas necessidades exigiram o uso de conceitos suplementares para refinar ainda mais o tamanho de grão e atingir níveis ainda maiores de resistência mecânica nos tubos de grande diâmetro, sem sacrificar sua tenacidade. Surgiu então a idéia de se aumentar a velocidade de resfriamento da chapa grossa ao final da laminação, usando-se jatos de água ao invés de ar calmo. Conforme indicado no último círculo à direita da Fig. 1, esta é uma condição que promove refino ainda maior no tamanho de grão ferrítico pois, além da nucleação dessa fase nos antigos (e refinados) contornos de grão e bandas de deformação da austenita, ela também ocorrerá no interior dos grãos. O grande desafio desse novo processo foi desenvolver sistemas capazes de aplicar padrões complexos de resfriamento num produto muito largo, como é o caso das chapas grossas, onde o uso de taxas intensas de resfriamento pode facilmente provocar altos graus de empeno. Isso só se tornou possível com o avanço na tecnologia da informática ocorrido no final dos anos 1970. Esse novo processo estreou no início dos anos 1980, permitindo a fabricação de chapas grossas para tubos com grau API 5L X80 (552 MPa). Seu desenvolvimento posterior permitiu alcançar comercialmente os graus X100 (690 MPa) e X120 (827 MPa) nas décadas de 1990 e 2000, respectivamente.

Uma decorrência do resfriamento acelerado é a chamada têmpera direta, onde a instalação de resfriamento deve ter capacidade suficiente para resfriar rapidamente o esboço desde o final de sua laminação até a temperatura ambiente sob velocidade compatível com a temperabilidade do aço. Nesse caso o objetivo não mais é o refino microestrutural, mas sim promover a formação da maior quantidade possível de martensita e constituintes aciculares no material. Neste caso a chapa grossa possuirá resistência mecânica muito alta, mas tenacidade relativamente baixa.

Chapas Finas Laminadas a Quente

Até o início da década de 1970, a maioria dos aços planos com baixo C laminados a quente para uso automotivo, com espessuras variando entre 2 e 6 mm, era do tipo mais simples – ferrítico ou ferrítico-perlítico. A crise do petróleo ocorrida nessa década forçou a adoção de medidas para reduzir o consumo de combustível nos veículos automotores, incluindo-se aí a redução de seu peso. O aço, para fazer frente à súbita popularidade de materiais concorrentes mais leves – tais como o alumínio e o plástico – teve de evoluir para manter sua supremacia nessa aplicação.

A primeira resposta a esse desafio foi o uso dos aços microligados ao Nb, Ti e/ou V, cuja microestrutura mais refinada proporciona maior resistência mecânica, permitindo assim redução da seção das peças e de seu peso. Contudo, aqui o refino de grão não é uma solução ideal, pois degrada a estampabilidade das chapas. Logo, foi necessário desenvolver novos aços, com microestruturas até então inéditas, que apresentassem maior resistência mecânica com perda mínima de ductilidade.

A primeira solução para esse problema veio já na década de 1970: os aços bifásicos (dual phase), com microestrutura composta de 80 a 85% de ferrita poligonal e 15 a 20% de martensita. A associação de matriz macia e ilhas de constituinte duro faz com que a chapa apresente baixo limite de escoamento, favorecendo a estampagem, e que endureça significativamente durante esse processo, garantindo a resistência mecânica da peça acabada. Inicialmente esse tipo de aço foi produzido através de recozimento intercrítico, cuja temperatura de encharque era definida de forma a se obter 15 a 20% de austenita que se transformavam em martensita na têmpera posterior. Esse procedimento é indispensável no caso de chapas laminadas a frio, mas questionável no caso do produto laminado a quente, onde a microestrutura bifásica poderia ser obtida diretamente após a laminação.

E, de fato, logo foi proposto o primeiro aço bifásico laminado a quente, contendo Si, Cr e Mo. Seu processamento termomecânico pode ser explicado através do diagrama TRC esquemático da Fig. 3. A ação do Si e da deformação a quente acelera a reação ferrítica, que ocorre enquanto o material sai do laminador e passa pela mesa de resfriamento com jatos de água. Ao sair dessa mesa, a 600°C, o material é bobinado e apresenta microestrutura contendo de 80 a 85% de ferrita, mais austenita retida enriquecida de C expulso da região já transformada. Esta austenita possui temperabilidade suficiente para se transformar em martensita durante o resfriamento lento da bobina. Posteriormente surgiram novas versões de aço bifásico laminado a quente com teor de elementos de liga minimizado, bem mais econômicas. Sua baixa temperabilidade é compensada pelo bobinamento efetuado sob baixas temperaturas, inferiores ao ponto Ms da liga, o que requer linhas dotadas de bobinadoras com alta potência.

O aço bifásico foi o primeiro material da família AHSS – Advanced High Strength Steels ou Aços Avançados de Alta Resistência Mecânica, os quais procuram conciliar alta resistência mecânica com boa estampabilidade. Ao longo das décadas seguintes surgiram outros tipos de aço, com microestruturas ainda mais exóticas, como o TRIP (Transformation Induced Plasticity ou plasticidade induzida por transformação), constituída de uma mistura de 50 a 60% de ferrita poligonal, 25 a 40% de bainita e 5 a 15% de austenita retida. Ele consegue níveis ainda maiores de resistência mecânica e ductilidade em função da transformação da austenita retida em martensita durante a estampagem da peça. Também surgiram os aços de fases complexas (mistura de ferrita, bainita e martensita) e martensíticos. Todos eles podem igualmente ser feitos em linhas de recozimento contínuo ou no laminador de tiras a quente, desde que a evolução do resfriamento aplicado seja compatível com o diagrama TRC da liga, de forma a se obter a microestrutura desejada no produto final. O desenvolvimento dessas ligas e do respectivo processo requer um intenso trabalho de pesquisa e desenvolvimento.

Conclusão

Apesar das já citadas vantagens inerentes aos tratamentos termomecânicos é importante notar que eles apresentam algumas desvantagens em relação ao tratamento térmico.

A principal delas é a heterogeneidade microestrutural do material como laminado. A laminação a quente de chapas ou tiras dura vários minutos, período em que surge um gradiente de temperatura ao longo da espessura do esboço em função de seu resfriamento durante esse período.

Logo, durante a transformação austenítica pós-laminação, o núcleo do esboço tende a estar mais quente do que sua superfície. Além disso, especialmente em produtos com maior espessura, a deformação não atinge plenamente o núcleo do laminado, fazendo com que a microestrutura nessa região não se torne tão refinada quanto em suas superfícies. O gradiente microestrutural decorrente dessas duas situações constitui fonte potencial de heterogeneidade nas propriedades finais do produto. Além disso, o encruamento da austenita promovido pela deformação a quente tende a diminuir sua temperabilidade, fato que deve ser considerado na definição das condições do resfriamento final do produto.

Já o tratamento térmico inclui uma fase de austenitização que minimiza os efeitos da laminação anterior, pois tende a homogeneizar o tamanho de grão e a segregação do material. Além disso, ele geralmente é feito em fornos com atmosfera protetora, o que minimiza a oxidação superficial e melhora a qualidade superficial do produto. A ausência de gradientes térmicos ao final da fase de austenitização melhora a homogeneidade microestrutural do produto final.

Contudo, geralmente as desvantagens dos tratamentos termomecânicos não são relevantes para o desempenho da aplicação final e são plenamente compensados pelo menor custo e maior rapidez na fabricação das chapas. O uso de tratamentos térmicos em produtos planos tende a ficar restrito aos casos onde ele contribui de maneira decisiva para o atendimento das necessidades dos clientes. Por exemplo, nos produtos com espessura abaixo de 2 mm ou com acabamento superficial impecável, casos onde sua laminação a frio se faz obrigatória.

Referências

1. COLDREN, A.P. e outros. Formable HSLA and Dual-Phase Steels. TMS-AIME, Chicago, 1977, 205-208;
2. GRIMPE, F. e outros. 1st International Conference on Super-High Strength Steels. Proceedings. Associazione Italiana di Metalurgia/Centro Sperimentali Materiali, Rome, November 2004, 10 p.;
3. KOZASU, I. Materials Science and Technology – A Comprehensive Treatment: Constitution and Properties of Steels, vol. 7, VCH, Weinheim, 1992, 186-217.

Para mais informações, contate: Antonio Augusto Gorni, Especialista em Processos de Laminação a Quente da Usiminas, telefone (13) 3362-3219 ou email antonio.gorni@gmail.com.

 

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