Trainee, uma boa estratégia?

Julho de 2006. Mais de seis mil inscritos no Processo Seletivo para Trainees da ArcelorMittal, na época denominada Arcelor. Trinta vagas. Seleção de currículos, provas online de lógica, inglês e conhecimentos gerais, teste de inglês por telefone, dinâmica de grupo com psicólogos, entrevista em grupo, outro teste escrito de inglês, painel com psicólogos e gestores da empresa contratante, entrevista individual com os mesmos psicólogos e gestores, entrevista com gerentes na área pretendida e exames médicos. Admissão em Maio de 2007, sucedida por um curso de gestão pela FDC (Fundação Dom Cabral) de longa duração e um programa especial de língua inglesa. Ufa! A Arcelor e a Across RH não nos deram folga.

Mas afinal, o Trainee vale cada centavo investido? Eu não possuo os dados do Departamento de Recursos Humanos, mas me proponho, aqui, a fazer uma reflexão do meu ponto de vista, um ex-trainee.

Ao me formar em engenharia, a principal opção era embarcar na moda destes processos um tanto quanto “elaborados” para Trainee. Depois de participar de alguns deles, sem, no entanto, obter grande sucesso, eu me habituei àquele ambiente. Percebi que o desempenho pessoal nas dinâmicas dependia, dentre outros fatores, bastante da capacidade teatral do candidato. O termo “teatro” não é pejorativo. Ora, é óbvio que atuação sem conteúdo nada representa, mas uma postura correta e capacidade de vender uma ideia, ou mesmo um produto (no caso, você mesmo), de maneira persuasiva, são de extrema importância na vida profissional. Dessa forma, ao buscar o mercado de trabalho, o aspirante a engenheiro percebe que uma das inúmeras falhas da faculdade reside no fato de que não é abordado em seu curso, ao menos não de uma maneira direta, o desenvolvimento do marketing pessoal. E sem tomar consciência, é penalizado ou bem quisto por certas características pessoais, como valores e capacidade intraempreendedora, as quais vêm de dentro para fora. Uma instituição de ensino pode, no máximo, quando bem estruturada, ajudar no desenvolvimento dessas competências já pré-dispostas em cada um.

É compreensível que a capacidade gerencial para novos talentos (como são internamente chamados os Trainees) é altamente desejável pelas empresas globais, mas em pouquíssimos processos são realizados questionamentos técnicos. Excluindo-se os processos seletivos para setores administrativos e financeiros, a maior parte da indústria aceita que, do ponto de vista técnico, a universidade está fazendo o papel dela de forma brilhante. Contudo, boa parte do processo educacional no Brasil tem ocorrido de maneira fabril. Faz-se necessária, portanto, uma reflexão de ambos os lados sobre as consequências dessa conjuntura.

Competências e valores pessoais apropriados em um colaborador são fundamentais, mas a balança de um indivíduo não pode estar desequilibrada. Se por um lado, as escolas de engenharia deveriam preparar melhor os seus profissionais do ponto de vista de gestão (pessoal, financeira, projetos etc), por outro as empresas podem contribuir, e muito, no desenvolvimento técnico de seus futuros analistas e gestores, sem esperar que eles concluam a graduação. Além disso, as empresas propiciariam uma maior capacidade de geração de pesquisa e tecnologia.

Desde então, os programas de Trainee sofreram mudanças. Hoje eles tendem a ser mais pragmáticos do que glamourosos. Algumas empresas, como a BASF por exemplo, têm estabelecido programas para especialistas em áreas técnicas. Por sua vez, a Bosch expandiu o seu programa para candidatos com quatro anos de experiência, pós-graduação e vivência no exterior. Seria esse o caminho?

Dos 30 trainees selecionados, talvez 6 seguiram carreira na empresa. Provavelmente, o Departamento de Recursos Humanos possuía uma meta de retenção de talentos maior do que apenas 20%. Não faço uma crítica com relação às decisões tomadas pela empresa ao promover tal seleção, mas a reflexão é muito válida. Todo o esforço investido em 8 meses de seleção, mais 1 ou 2 anos de treinamento do profissional, poderia ter sido redirecionado e repensado a longo prazo em uma atuação conjunta com a universidade.

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