Simulação numérica da evolução microestrutural em processos termomecânicos

O método dos elementos finitos (FEM) já é utilizado em conformação mecânica em escala industrial. No entanto, uma pesquisa ainda é necessária em relação à otimização da microestrutura de componentes produzidos por processos como forjamento ou laminação. Projetos nesse sentido têm sido desenvolvidos no Laboratório de Transformação Mecânica (LdTM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) [1].

Quando metais são deformados a baixa temperatura, mecanismos de encruamento, tal como o aumento de densidade de discordâncias, levam a um aumento na tensão necessária para continuar a deformação. Entretanto, em processos executados a alta temperatura, como, por exemplo, o forjamento a quente, processos de difusão tornam-se importantes e fenômenos microestruturais, tais como recuperação e recristalização (dinâmica e/ou estática), podem ocorrer modificando a forma como o material escoa [2, 3].

Para metais, especialmente aqueles com altas energias de falha de empilhamento (acima de 0,1 J/m2), o encruamento é limitado pela recuperação dinâmica, a qual pode ser definida como um equilíbrio dinâmico entre a taxa de geração e a taxa de aniquilação de discordâncias durante a deformação, resultando em um rearranjo contínuo das mesmas, o que leva a um amolecimento do material [4, 5]. Para materiais com baixas energias de falha de empilhamento, como é o aço na fase austenítica, a recuperação dinâmica é menos eficaz. Nesses materiais, o principal mecanismo de amolecimento é a recristalização dinâmica que reduz a tensão de escoamento e o tamanho de grão. À medida em que o material é deformado um grande número de defeitos é gerado a nível cristalino. Esses defeitos aumentam o potencial termodinâmico para o início da recristalização dinâmica. Tão logo uma deformação crítica é atingida, começa a ocorrer a nucleação de novos grãos livres de deformação, principalmente nos contornos dos grãos anteriores deformados [3]. Esse fenômeno produz um forte refinamento de grão, que se traduz macroscopicamente como um forte amolecimento na curva de escoamento. Além da composição química e da microestrutura inicial, a recristalização dinâmica é fortemente dependente da temperatura, da deformação e da taxa de deformação aplicadas sobre o material [4-6]. Por meio do controle dos fenômenos de recristalização durante o processo, é possível obter um grande refinamento de grão. A Figura 1 mostra as mudanças que ocorrem na curva de escoamento de um aço em função das mudanças microestruturais que ocorrem durante a deformação a quente [1].

Para demonstrar a aplicação do FEM em um processo de conformação mecânica com previsão microestrutural, foi simulado um ensaio de compressão que equivale a uma operação de forjamento em matriz aberta bastante simples. Durante o ensaio, a amostra é comprimida entre duas placas planas, reduzindo a sua altura e fazendo com que ocorra um fluxo de material na direção radial, aumentando o seu diâmetro. A Figura 2 mostra os passos básicos do teste de compressão a quente.

Para a simulação foi utilizado o programa de elementos finitos LARSTRAN/SHAPE com o pré/pós-processador PEP (Programmer’s Environment for Pre-Postprocessing) e o módulo de simulação de microestrutura STRUCSIM, ambos desenvolvidos no Instituto de Conformação Mecânica da Universidade de Aachen, na Alemanha. Para cada incremento de deformação ocorrem iterações entre o módulo de simulação termomecânica e o módulo de simulação microestrutura. O módulo termomecânico alimenta o módulo de microestrutura com os valores instantâneos de temperatura, deformação e taxa de deformação. O módulo microestrutural calcula, então, a evolução da microestrutura, dependendo dos valores alimentados e tendo em conta o seu estado anterior. Os dados iniciais da simulação podem ser vistos na Tabela 1. A Figura 3 mostra o modelo numérico usado para simular o ensaio de compressão. O modelo numérico reproduz condições usuais de ensaio utilizando os parâmetros da Tabela 1.

A finalidade do teste de compressão é principalmente demonstrar a alteração no tamanho do grão do material devido à recristalização dinâmica. Sabe-se que a distribuição homogênea e mais fina de grãos proporciona um melhor comportamento mecânico, especialmente para componentes expostos a cargas cíclicas (fadiga).

A Figura 4 revela a distribuição de temperatura na amostra após a compressão. Os resultados das simulações numéricas indicam uma perda de temperatura nas faces superior e inferior, devido à condução de calor entre a peça e a ferramenta. Como esperado, os corpos de prova têm um formato final de barril, devido às forças de atrito atuantes entre os mesmos e as superfícies das ferramentas, restringindo o fluxo de material ao longo desta região.

As Figuras 5(a) a 5(d) mostram a distribuição de deformação efetiva ao longo da seção transversal central da amostra em diferentes estágios do processo. Pode-se observar como o grau de deformação aumenta com a redução em altura, em especial na região central da amostra. Nas regiões de fluxo restrito pelo atrito (interfaces entre amostra e ferramentas) o grau de deformação é menor. Embora esse comportamento seja esperado, apenas por meio do FEM é possível quantificar com precisão o perfil da deformação ao longo da peça, o que é importante para otimizar o comportamento mecânico, visto que influencia diretamente a microestrutura final do componente.

A Figura 6 mostra os resultados numéricos para a fração recristalizada da microestrutura e tamanho de grão médio ao final do processo. Como mencionado, quando um grau de deformação crítica é atingido durante o processo, ocorre a recristalização dinâmica com a nucleação de novos grãos livres de deformação. Essa recristalização dinâmica depende do grau de deformação imposto sobre o material, como visto na Figura 6. Nota-se na Figura 6(a) que no centro da amostra, onde o grau de deformação é maior (ver Figura 5(d)), a fração da microestrutura dinamicamente recristalizada (DRX) chega a 1, significando que ocorreu a completa recristalização do material naquela região. Por outro lado, à medida em que se observa regiões mais afastadas do centro da amostra, a fração recristalizada diminui atingindo um valor mínimo junto à superfície, onde menores deformações são encontradas. A recristalização dinâmica produz um refinamento de grão na região central da amostra. O tamanho diminui de 75 µm para 30 µm, como mostrado na Figura 6b. De acordo com os resultados numéricos, um tamanho de grão mais fino e homogêneo é esperado na região central da amostra (ponto 1 na Figura 6(a)). Por outro lado, próximo às superfícies de contato entre o corpo de prova e as ferramentas, espera-se um grão mais grosso (ponto 2 na Figura 6(a)). Na região do ponto 3 da Figura 6(a) é esperada uma microestrutura não homogênea composta por grãos, visto que a recristalização é apenas parcial nessa região. Essa distribuição de microestrutura prevista pela simulação numérica também é observada experimentalmente.

Este é um estudo de caso simples, mas útil para demonstrar a relevância do FEM para conformação mecânica, tanto na área de pesquisa quanto em ambiente industrial. Controlando-se os parâmetros que influenciam diretamente a evolução da microestrutura do material, é possível otimizar o processo visando a obter uma microestrutura homogênea e refinada, e, consequentemente, melhorar o desempenho mecânico do produto final. Isto pode ser feito por meio de simulação numérica por FEM, evitando-se os altos custos envolvidos com um desenvolvimento experimental apontando tentativa e erro.

Por outro lado, para que cada vez mais melhores resultados sejam obtidos, é crucial empregar maiores esforços na pesquisa para otimização dos modelos matemáticos para previsão da evolução microestrutural durante operações de trabalho a quente implementadas em sistema FEM.

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[1] T.C.A. Colombo, A.M.G. Brito, and L. Schaeffer, “Numerical Simulation of Thermomecha-nical Processes Coupled with Microstructure Evolution”, Computing in Science & Engineering, v.16, n. 2, 2014, pp. 10-15.
[2] G.R. Stewart et al., “Modelling of Dynamic Recrystallization Kinetics in Austenitic Stainless and Hypereutectoid Steels,” Materials Science and Technology, v. 22, n. 5, 2006, pp. 519–524.
[3] K. Karhausen and R. Kopp, “Model for Integrated Process and Microstructure Simulation in Hot Forming,” Steel Research, v. 63, n. 6, 1992, pp. 247–256.
[4] H.J. McQueen, “Development of Dynamic Recrystallization Theory,” Materials Science and Engineering: A, vols. 387–389, 2003, pp. 203–208; ttp://dx.doi.org/10.1016/j.msea.2004.01.064.
[5] A. Yanagida and J. Yanagimoto, “A Novel Approach to Determine the Kinetics for Dynamic Recrystallization by Using the Flow Curve,” J. Materials Processing Technology, v. 151, n. 1–3, 2004, pp. 33–38.
[6] Dehghan-Manshadi, M.R. Barnett, and P.D. Hodgson, “Recrystallization in AISI 304 Stainless Steel During and After Hot Deformation,” Materials Science and Engineering: A, v. 485, n. 1–2, 2008, pp. 664–672.

 

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