Comparação entre o uso de billets maciços e vazados na fabricação de um flange pelo processo de forjamento

A ferramenta CAE possibilita a avaliação do processo de forjamento virtualmente para otimização da produção industrial, reduzindo o custo final do produto pelo mínimo uso de matéria-prima, juntamente à previsão das variáveis que ocorrem durante a conformação do material no processo. Os procedimentos necessários para o forjamento de uma peça com geometria de média complexidade forjada em alumínio são apresentados. O objetivo deste trabalho é analisar experimentalmente o forjamento desta e compará-la com a simulação computacional

Componentes forjados têm diversas aplicações industriais, entre elas a indústria automotiva. São produtos para veículos leves, caminhões, ônibus, motocicletas, máquinas agrícolas, implementos rodoviários e ferroviários como tubos para sistemas de suspensão, direção e transmissão, entre outros. Normalmente, as peças são forjadas a partir de uma geratriz maciça, porém, em muitos casos, após o forjamento é necessária uma operação de usinagem para fazer um furo central, por exemplo. Tal operação pode ser eliminada se o forjamento for realizado a partir de uma geratriz tubular. Com isto, reduz-se o gasto de material e energia, o que pode ser muito significativo dependendo do peso e geometria da peça, do material e do tamanho do lote produzido.

A Figura 1.1 apresenta exemplos de peças, denominadas comercialmente de flanges, objeto deste estudo, que podem ser fabricadas por forjamento a partir de uma geratriz tubular. Segundo Pacheco [1], as uniões “flangeadas” são intensamente utilizadas nos mais variados segmentos industriais, com o objetivo de conectar componentes e garantir a vedação entre eles.

A possibilidade de produzir peças com qualidade com pequena perda de material torna o processo de forjamento a quente com o uso de geratriz tubular uma alternativa viável, ainda mais em casos que exigem longos tempos de usinagem após o forjamento [2]. Por intermédio de ferramentas de simulação é possível encontrar alternativas que reduzam, por exemplo, o tempo de fabricação de uma peça e, consequentemente, o custo [3].

Dentro deste contexto, neste trabalho é analisado, por meio do método de elementos finitos, o processo de forjamento a quente em matriz fechada para obtenção de uma peça utilizada para união de componentes na indústria automotiva, buscando identificar a viabilidade de fabricá-la a partir de um billet vazado. Também serão analisadas possíveis melhorias de processo e otimização da fabricação, possibilitando a obtenção de uma peça com economia de matéria-prima e eliminação de testes práticos, que seriam necessários, caso não se utilizasse ferramenta de simulação.

Simulação Numérica Computacional

As principais vantagens da utilização da simulação numérica computacional nos processos de conformação plástica podem ser resumidas em: capacidade de obter soluções detalhadas dos parâmetros da peça em deformação, como por exemplo: velocidades, forças, deformações, tensões, temperaturas etc. [4]. Nos últimos anos, a indústria de conformação mecânica experimentou um grande avanço na área de projeto devido ao aprimoramento dos programas de simulação numérica deste processo. Em meados da década de 90, a maioria dos programas possibilitava a simulação do processo de forjamento para peças de simetria axial e outras onde o fluxo de material pudesse ser aproximado como ocorrendo em apenas duas dimensões (deformação plana) [5]. Atualmente, pode-se dizer que os programas de simulação tornaram-se uma ferramenta essencial para o desenvolvimento e otimização da tecnologia de processos de deformação plástica. Inúmeros programas comerciais, baseados em diferentes métodos de solução, estão disponíveis no mercado [6].

Materiais e Métodos

Geometria da peça em estudo

A geometria da peça está representada na Figura 2.1 por meio da modelagem em 3D da peça desenvolvida no software SolidWorks. A utilização deste sistema permitiu uma série de automatizações com relação à modelagem da peça, da geratriz e das matrizes, pois, a partir do momento em que a peça está modelada no SolidWorks, pode-se desenvolver todo ferramental de forma simplificada. Todavia, a característica deste sistema que mais contribui nesta etapa da pesquisa é a possibilidade de alterar facilmente qualquer medida da peça, sendo que estas alterações se regeneram de forma automática de acordo com as novas dimensões atribuídas.

A Figura 2.2 ilustra as principais cotas da peça. As paredes da peça foram projetadas com ângulos de saída de 7º, mas a literatura descrita por Schaeffer [7] indica no mínimo 6°, porém, devido à geometria da peça apresentar, principalmente na região interna, probabilidade de adesão peça/ferramenta, optou-se por um ângulo maior.

Para uma representação virtual da peça forjada, desenhou-se uma aproximação do que poderia ficar de rebarba na peça, desta forma foi possível estimar, pela lei da conservação do volume, as dimensões da geratriz inicial. A geratriz foi dimensionada de forma a ter o mesmo volume da peça a ser forjada e considerando o adicional referente à rebarba. Assim, as dimensões do billet cilíndrico vazado são: altura de 35,5mm, largura de 41,5mm, com furo concêntrico passante de 12mm de diâmetro. As dimensões do billet maciço são: altura de 32,02mm e largura de 41,5mm.

Os desenhos do canal e do poço de rebarba são necessários também para que se possa desenvolver o projeto do ferramental. A Figura 2.3 mostra uma vista em corte da matriz superior e inferior, bem como o canal para saída de gás, a cavidade dos pinos guias, o canal de rebarba e uma representação da peça idealizada.

Simulação Numérica do Processo de Forjamento

A simulação do processo de forjamento é utilizada para avaliar o preenchimento do molde e a fabricação de peças dentro das especificações. Além disso, também são analisados parâmetros envolvidos no processo, tais como: geometria do billet, geometria da matriz e dos canais de rebarba, força de forjamento, temperatura, atrito, entre outros. Pelos resultados apresentados pela simulação, pode-se verificar se a peça forjada será obtida livre de defeitos.

O método de elemento finito foi o escolhido para analisar o processo de forjamento e, devido à geometria da peça, utilizou-se a simulação em 3D, cujos resultados são mais confiáveis e adequados para o forjamento a quente, conforme indica a literatura apresentada pelo fabricante do software e pesquisas realizadas [8].

A escolha pelo método utilizado é definida ao iniciarem-se os trabalhos com o Simufact. Além disso, nesta etapa é definido o tipo de processo, por exemplo, se o forjamento será a quente ou a frio, e a quantidade de matrizes utilizadas na simulação.

O tamanho de malha, o tipo e o número de elementos gerados pelo software influenciam diretamente nos resultados apresentados pela simulação [8]. A malha mais refinada com maior quantidade de elementos resulta em um tempo maior para resolução dos cálculos. Por isso, é necessário que se encontre um equilíbrio entre estes fatores.

Foram realizadas simulações com dois tipos de malha, 2D e 3D, com as quais determinou-se que a melhor malha a ser utilizada é a 3D, pois esta apresenta resultados satisfatórios. Sendo assim, utilizou-se uma malha de 1mm, o tipo de elemento é o hexaédrico e o número de elementos gerados foi de 15484. Na Figura 2.4 é possível identificar a malha gerada.

Parâmetros Empregados na Simulação

Os parâmetros utilizados são de grande importância para um resultado confiável da simulação. Utilizaram-se os seguintes dados de entrada:

Descrição do Processo Experimental de Forjamento

Após a realização da simulação e a fabricação do ferramental, fez-se o forjamento da peça. Os mesmos parâmetros da simulação foram utilizados no intuito de comparar os resultados obtidos na simulação numérica e dados analíticos com os experimentos realizados.

Para o forjamento da peça em estudo utilizou-se uma prensa hidráulica da marca FKL, a qual possui capacidade de força de 600 toneladas e velocidade de prensagem de 3,4 mm/s. A unidade hidráulica desta máquina é instalada na parte superior. O sistema hidráulico é constituído basicamente por tanque, bombas, válvulas direcionais, cilindro principal, cilindros auxiliares e válvula de preenchimento. A válvula de preenchimento é uma válvula de retenção pilotada, montada sobre o cilindro principal, como a função de abrir o mesmo para movimentações rápidas.

A configuração dos parâmetros da máquina para o funcionamento dela é feita por meio de um sistema chamado de IHM, da marca Siemens. A partir desta interface é possível acessar e modificar todos os valores programáveis da máquina. As matrizes são fixadas à máquina com grampos apropriados para evitar a ocorrência de movimentos relativos entre as matrizes durante o processo de forjamento. As ferramentas possuem pinos guias para evitar o deslocamento durante a conformação. Elas são aquecidas pelo contato com um tarugo de aço aquecido a 300°C.

Os billets são aquecidos a uma temperatura de 400°C, em um forno elétrico. Na sequência, eles foram mergulhados em solução lubrificante sintética a fim de obter-se uma película lubrificante envolvendo os tarugos. As matrizes também foram lubrificadas. Borrifou-se sobre a superfície da mesma uma solução lubrificante sintética, conforme Figura 2.5.

Resultados e Discussão

Análise Numérica

Realizada a simulação numérica computacional, obtiveram-se resultados referentes ao preenchimento da cavidade nas matrizes, escoamento do material e força de conformação. Em relação ao primeiro, percebeu-se que com a geometria inicial da geratriz não seria possível obter-se o preenchimento total da cavidade. Sendo assim, alterou-se a geometria até que se conseguisse o preenchimento completo da cavidade, conforme mostra a Figura 3.1.

Após a alteração das dimensões do billet a simulação numérica computacional não apresentou qualquer ponto de falha de preenchimento, apontando que toda a superfície da cavidade da ferramenta entrou em contato com o material (AA 6351).

Em relação à temperatura do processo e sua evolução durante a deformação imposta, nota-se que a região próxima ao canal de rebarba é a que mantém a temperatura mais elevada, pois é a que sofre maior deformação e atrito, e, além disso, a última parte da peça que entra em contato com a matriz. A Figura 3.2 exibe a distribuição das temperaturas atingidas no final do forjamento.

Pode-se perceber que a temperatura mais baixa está localizada na parte superior e inferior da peça. Nestas regiões, a temperatura se manteve constante e em torno de 50ºC, ou seja, apresentou resfriamento rápido devido à menor espessura e maior área de contato com a matriz. A maior temperatura é encontrada na entrada do canal de rebarba, região onde também se localiza a maior velocidade de deformação do processo. Nestas regiões, a temperatura mantém-se em torno de 70ºC.

A deformação foi efetuada em uma única e contínua etapa de conformação. As regiões representadas pela cor vermelha no software Simufact.Forming são as que apresentam maior deformação, conforme mostra a Figura 3.3.

Observa-se que a deformação se distribui de forma heterogênea na secção da barra. De acordo com a Figura 3.4 região que apresenta a maior concentração de tensão é a mesma onde o material sofre maior deformação. Isso acontece porque neste local o fluxo do material é forçado a mudar de sentido.

A Figura 3.5 (a) permite a visualização das linhas de fluxo do material obtidas na simulação. Por meio de uma análise macrográfica da Figura 3.5 (b) revela-se o fibramento da peça forjada, com a qual pode-se verificar que o escoamento do material ocorreu de forma similar ao ocorrido na simulação.

Em relação à força de forjamento, foram simuladas duas condições de processamento, ambas considerando-se uma deformação em etapa única. A força necessária para o forjamento da peça com billet vazado obtida na simulação computacional numérica foi de 2432,05 kN, já a força necessária para o forjamento da peça com billet maciço foi de 2814,51 kN.

É possível perceber que no início do processo a força elevou-se de forma abrupta, que é quando o material do billet é forçado a escoar para a lateral da peça. Diferente do que acontece com o billet vazado, quando a força eleva-se de forma constante e aumenta mais significativamente apenas no final do processo, durante o preenchimento do canal de rebarba.

Análise Experimental

A primeira dificuldade encontrada durante o forjamento da peça, e não prevista pela simulação, foi fazer o posicionamento correto do billet sobre a matriz. Para que o material escoe de maneira uniforme é necessário centralizar o billet na matriz no início do processo. Em função disso, o material escoou de forma desuniforme dentro da cavidade, provocando a deformação no pino central da matriz. A Figura 3.6 mostra exemplo deste problema.

Além disso, as peças fabricadas no primeiro experimento não preencheram totalmente a cavidade da matriz, conforme a Figura 3.7. Este problema ocorreu principalmente em função da liberação de gases do material. Assim sendo, os dados de força obtidos neste primeiro experimento foram desconsiderados.

Para o forjamento da peça com billet maciço foi necessário um billet maior do que o calculado utilizando a lei de constância de volume, pois o material exibe resistência para escoar na direção de preenchimento da matriz superior, escoando com maior facilidade para o canal de rebarba.

Realizou-se, então, um segundo forjamento, no qual corrigiu-se os problemas encontrados. Para facilitar o posicionamento do billet na matriz inseriu-se um pequeno rebaixo de 0,5 mm, desta forma o billet permanece sempre na mesma posição. Para facilitar a saída dos gases, liberados pelo material ao ser aquecido, inseriu-se um furo com diâmetro de 1mm em cada uma das matrizes, conforme mostra a Figura 3.8. A Figura 3.9 mostra as peças forjadas com os billets vazados e maciços. Após análise visual das peças, concluiu-se que é possível fabricar peças isentas de defeitos e trincas.

Após o forjamento, uma peça foi submetida a um ensaio metalográfico para revelar sua macrografia. Após o corte da peça e o polimento, um reagente, chamado de Água Régia, foi aplicado sobre a seção em estudo com o auxílio de um chumaço de algodão. A Figura 3.10 apresenta a macroestrutura, evidenciando as linhas de fluxo do material durante a conformação.

No forjamento experimental a força total constatada pela célula de carga foi de aproximadamente 3432,33 kN (350 toneladas) para o billet maciço e de 2451,66 kN (250 toneladas) para o billet vazado, conforme mostram as Figura 3.10 e 3.11.

Verifica-se nas Figura 3.11 e na Figura 3.12 que à medida em que a ferramenta vai se deslocando e forjando o material é necessário um maior esforço para continuar o forjamento. Isso se deve, principalmente, ao resfriamento do material devido ao contato com as matrizes e também pela dificuldade de preenchimento das partes mais delgadas da peça.

Pela análise da Figura 3.13 é possível identificar a diferença da força obtida no experimento, simulação e nos cálculos analíticos. A simulação obteve um menor percentual de diferença na força máxima para o billet vazado em relação ao experimental. Essa diferença ocorre principalmente pelas desigualdades entre as condições de processamento e as inseridas no software. Mesmo inserindo a curva de Escoamento do AA6351 no software não se pode garantir que não haja diferença, pois a curva descrita pela literatura não foi obtida da mesma barra que foi usada para confecção dos billets utilizados no forjamento.

O forjamento com billet maciço apresentou as maiores forças em todas as situações. A força obtida experimentalmente é a mais elevada, pois foi necessário aumentar o volume do billet para que o material preenchesse toda a cavidade. Caso contrário, o material escoaria para a cavidade de rebarba e não preencheria completamente a cavidade. Isso ocorre porque o material apresenta dificuldade para escoar na cavidade superior.

Conclusão

O primeiro experimento realizado não pode ser aproveitado, pois os gases retidos na matriz precisam ser eliminados. A simulação numérica não previu este evento e, por isso, o mesmo só foi identificado durante o experimento. Este problema foi contornado com a inserção de saída de gases na matriz superior e inferior e, a partir destas correções, pode-se fazer as conclusões almejadas.

Apesar do problema referente à liberação de gases não ter sido detectado pela simulação, pode-se dizer que a simulação numérica computacional se mostrou eficaz para predizer a força necessária para o forjamento das peças após a fabricação dos furos nas matrizes para escape dos gases. Quando comparam-se as peças forjadas com as simuladas os resultados apresentados pela simulação numérica são similares e podem ser utilizados como guias para desenvolvimento de processos de forjamento, auxiliando na redução do tempo de desenvolvimento de novos processos.

Os resultados obtidos pela simulação e experimento apresentaram diferenças, que podem ser justificadas em função da utilização de dados retirados da literatura. A exemplo, o atrito e a tensão de escoamento, que para forjamento a quente é de difícil mensuração. Contudo, pode-se utilizar os resultados obtidos pela simulação como um indicativo da força necessária para forjar e do comportamento do material durante a conformação. Por fim, pela análise visual e macrográfica das peças concluiu-se que é possível fabricar peças isentas de trincas e de defeitos superficiais por intermédio de um billet vazado.

Agredecimentos

Os autores agradecem ao Dr. Eng. Alberto Moreira Guerreiro Brito, ao Laboratório de Transformação Mecânica (LdTM), à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e às instituições de apoio financeiro CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

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[1] PACHECO, R., RIAGUSSOFF, I., DONATO, V., & LARGURA, C. L. (2011). Análise de falha em flanges ocasionada por perda ou danos em estojos. Revista Matéria, 877 – 886.
[2] DOEGE, E., THALEMANN, J., & WEBER, F. (1992). Hot forging of precision parts. Journal of Materials Processing Technology,, pp. 469-481.
[3] FERESHTEH-SANIEE, F., & JAAFARI, M. (2002). Analytical, numerical and experimental analyses of the closed-die forging. Journal of Materials Processing Technology, 334–340.
[4] ROQUE, C. M. (1966). Aplicação do Método dos Elementos Finitos no planejamento da Sequência de Forjamento a Frio. UNICAMP, Campinas/SP.
[5] BIBA, N., STEBOUNOV, S., & LISHINY, A. (2001). Cost effective implementation of forging simulation. Journal of Materials Processing Technology, 34 – 39.
[6] COLOMBO, T. (2012). Análise numérica do forjamento em matriz aberta para a produção de eixos vazados. UFRGS – PPGEM, Porto Alegre/RS.
[7] SCHAEFFER, L. (2006). Introdução ao projeto de ferramentas para forjamento a quente em matriz fechada. Ferramental, 19-28.
[8] BUIJK, A. (2008). Finite Volume (FV) and Finite Element (FE) integration in Simufact.forming.

 

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