Estudo do desgaste em uma matriz de forjamento a quente pela técnica numérica de elementos finitos

O desgaste é uma das principais causas das falhas de matrizes de forjamento a quente. A experiência tem mostrado que não é fácil descrevê-lo matematicamente em virtude das não linearidades das influências dos parâmetros de importância no fenômeno. Desse modo, este trabalho analisa a previsão do desgaste de matrizes de forjamento a quente de corpos moedores, empregando o modelo de desgaste de Archard e a simulação numérica por meio de elementos finitos

Conforme estudo realizado por Roberts [1], as ferramentas de conformação a quente são empregadas em três tipos de matrizes industriais: matrizes de forjamento a quente e a morno, moldes e matrizes de fundição de ligas não ferrosas e matrizes de extrusão de ligas não ferrosas. Nas aplicações de forjamento, destaca-se o forjamento a quente de aços, especialmente aqueles para peças automobilísticas [2], em que há uma alta exigência dimensional em seus componentes [3].

Na operação de forjamento a quente, o tarugo a ser forjado pode encontrar-se a temperaturas acima de 1000ºC. Quanto maior for o tempo de contato entre o tarugo e as ferramentas maior será a temperatura alcançada por esta [4], levando à perda gradual da dureza da superfície das matrizes por revenimento do aço. Este fenômeno acentua o desgaste mecânico e térmico das matrizes e facilita sua deformação plástica. Desta forma, identificam-se, comumente, quatro mecanismos de falha de matrizes para o forjamento a quente: desgaste, deformação plástica, fadiga térmica e mecânica. A Figura 1 ilustra a ocorrência de tais fenômenos [4].

O desgaste está habitualmente associado à perda ou remoção progressiva de material de uma superfície e é comumente dividido nos seguintes tipos: (I) Adesivo, (II) Abrasivo, (III) Oxidação ou outras reações químicas e (IV) Fadiga Térmica. Normalmente, consideram-se os dois primeiros tipos como os mais importantes.

Summerville et al. [5] considera que o mecanismo de desgaste predominante no forjamento a quente é o abrasivo, que se origina na ação das numerosas partículas duras que se interpõem entre as superfícies do material a ser forjado e da ferramenta (abrasão entre 3 corpos). A abrasão pode, ainda, ocorrer diretamente pelo contato e movimento entre dois corpos, onde o mais duro deles desgasta o mais macio (abrasão entre 2 corpos).

A equação fenomenológica que geralmente é utilizada na análise do desgaste é a Equação (1) de Archard [6]:

W é o volume de material removido por desgaste de abrasão, Pi é a carga normal aplicada na matriz, Vi é a velocidade de deslizamento, Hi é a dureza superficial e K é o coeficiente de desgaste por abrasão, que depende de vários fatores. A Tabela 1 mostra a faixa de valores para o coeficiente de desgaste por abrasão, Kabrasão (adimensional).

O objetivo do presente trabalho foi investigar numericamente, por intermédio do aplicativo comercial DEFORM 2D®, a evolução do desgaste de uma ferramenta destinada ao forjamento a quente de corpos moedores (bolas para moinho), aplicando a equação de Archard, e comparar as dimensões finais do produto e das matrizes superior e inferior com aquelas obtidas industrialmente, visando verificar a aplicabilidade industrial da simulação numérica.

Materiais e Métodos

O ferramental construído pode ser visto na Figura 2 e visava ao forjamento a quente de corpos moedores esféricos com diâmetro nominal de 90 mm, prevendo-se a formação de rebarba entre as matrizes. Para assegurar o exato posicionamento e evitar um possível deslocamento relativo das matrizes superior e inferior foram utilizados pinos guias, indicados na Figura 2. O material utilizado foi o aço ferramenta H13, que apresentou uma dureza média de 52 HRC depois de temperado e revenido. O material dos corpos moedores foi o aço ABNT 1045. A concepção do ferramental produzido se enquadra no forjamento a quente de matrizes abertas com a formação de rebarba.

O forjamento utilizou uma prensa mecânica de 450 Ton, que foi regulada para que, no final do seu curso, a distância entre as matrizes superior e inferior fosse de 3 mm, definindo, assim, a espessura final da rebarba.

De acordo com Grunning [8], a fim de evitar a flambagem do tarugo, a sua altura não deve exceder a 2,5 vezes o seu diâmetro. Assim sendo, foi usado um tarugo cilíndrico, no aço ABNT 1045, com diâmetro de 76,2 mm e altura de 120 mm, aquecido a uma temperatura de 950°C. Esse mesmo tarugo foi posicionado em pé, apoiado na matriz inferior, que foi pré-aquecida até 200°C, juntamente à matriz superior. As matrizes recebiam a aplicação de um desmoldante à base de grafite durante o intervalo de forjamento entre o forjamento sucessivo de dois corpos moedores. Após o forjamento de 950 peças, foram medidas as dimensões das matrizes superior e inferior, do último corpo moedor forjado e de sua rebarba.

Método dos Elementos Finitos

O aplicativo numérico DEFORM 2D® (SFTC – Scientific Forming Technologies, Ohio, USA), empregado para simular o forjamento e o desgaste, utiliza a formulação implícita de integração no tempo, na qual a solução da equação de governo que rege o equilíbrio é obtida pela consideração no tempo t+dt. Sendo conhecidos o deslocamento e a velocidade no tempo t, para obter estes valores no tempo t+dt, o equilíbrio de forças no tempo é dado pela Equação (2):

Em problemas que envolvem não-linearidades, geralmente é utilizado o método incremental de Newton-Raphson para se obter o valor de Üt+Delt . Nele, por exemplo, o deslocamento da matriz superior de forjamento é divido em pequenos incrementos e em cada um deles é calculado o vetor deslocamento. Este método requer a montagem e a inversão da matriz de rigidez a cada novo incremento, o que representa um aumento no tempo de processamento.

Em virtude das matrizes superior e inferior e do material a ser forjado apresentarem geometrias de revolução em torno de um mesmo eixo, o conjunto matrizes/material foi reduzido a um estado de deformação axissimétrica, conforme a Figura 3.

O aço ABNT 1045 foi modelado como material isotrópico e rígido-plástico, com uma malha de 1.000 elementos quadrados, conforme a Figura 3. A curva de fluxo para descrever o comportamento do aço ABNT 1045 durante o forjamento é função da deformação, da taxa de deformação e da temperatura e suas propriedades mecânicas e térmicas, que foram obtidas diretamente da biblioteca do aplicativo. As matrizes superior e inferior também foram modeladas como materiais isotrópicos e rígido-plásticos, com 500 elementos quadrados. A malha é mais densa, com elementos com 0,75 mm na região de contato com o material a ser forjado, garantindo, assim, boa convergência dos resultados. Uma malha mais grosseira (elementos com 5 mm) foi empregada no restante das matrizes, sem prejuízo para os resultados. Foi utilizado um fator de atrito de 0,3 nas interfaces das matrizes/material.

Transferência de Calor

A evolução térmica do material e das matrizes, no processo de forjamento a quente, envolve a geração de calor causada pela deformação plástica do material e pelo atrito material/ferramenta e a dissipação de calor por transmissão ao meio ambiente.

O aplicativo numérico considera todos os efeitos descritos no parágrafo anterior. Empregou-se uma temperatura ambiente de 25°C e as condutividades térmicas dos materiais foram retiradas da biblioteca do aplicativo numérico, utilizando-se um coeficiente de transferência convectiva de 50 Watt/m2.K.

Desgaste

Para descrever o desgaste nas matrizes de forjamento a quente, o aplicativo numérico utiliza a abordagem generalizada de Archard, descrita pela Equação (3):

Para os aços ferramenta, o aplicativo sugere a=b=1 e c=2. K é um coeficiente normalmente calibrado experimentalmente e, no presente caso, foi tomado k=300 para o forjamento de 950 peças.

Resultados e Discussão

Após o forjamento de 950 corpos moedores, foram medidos os diâmetros do corpo moedor na região compreendida pela rebarba e perpendicular a essa, obtendo-se os valores mostrados na Figura 4. Estes valores indicam um aumento e uma ovalização das dimensões das matrizes.

O desgaste abrasivo previsto numericamente, após 950 peças forjadas, foi muito semelhante para as matrizes superior e inferior. A Figura 5 ilustra tal desgaste para a matriz inferior. Por meio da Figura 4 pode-se verificar que o diâmetro do corpo moedor na região da rebarba foi de 94 mm, enquanto o diâmetro perpendicular a essa região, no eixo de revolução, foi de 92 mm, uma diferença de 2 mm, remetendo a uma ovalização do produto forjado.

A Figura 5 mostra que o desgaste predito é bastante uniforme e da ordem de 1 mm ao longo de toda a região de contato material/matriz. Por outro lado, somente este desgaste conduziria a um diâmetro horizontal final do produto de 92 mm, e não ao diâmetro de 94 mm, medido experimentalmente (ver Figura 4). Outro possível mecanismo atuante, e que poderia causar alterações dimensionais no produto final, seria a deformação plástica das matrizes, associado à queda do limite de escoamento do material (H13) causado pelo seu aquecimento.

A Figura 6 mostra o resultado da simulação numérica na qual se analisou, exclusivamente, tal possibilidade. Nesta simulação, levou-se em conta a queda das tensões de escoamento do material com a temperatura e as tensões aplicadas nas matrizes durante o forjamento. A Figura 6 mostra que a deformação plástica é mais pronunciada na região do diâmetro horizontal do corpo moedor.

A Tabela 2 apresenta uma comparação entre as dimensões finais obtidas industrialmente e aquelas preditas numericamente (incluindo o desgaste e a deformação plástica das matrizes).

Conclusão

A simulação numérica do processo de forjamento a quente de corpos moedores permitiu uma avaliação adequada da variação dimensional das matrizes ao longo de sua utilização.

A variação dimensional das matrizes predita no presente caso foi causada pela deformação plástica e pelo desgaste das matrizes.

A simulação numérica do forjamento a quente de corpos moedores revelou-se uma ferramenta de interesse na avaliação da vida útil das matrizes empregadas no processo.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES e ao CNPq pelo suporte para a concretização deste trabalho.

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[1] ROBERTS, G.; KRAUSS, G.; KENNEDY, R. Tools Steels. 5.ed. Materials Park, Ohio: ASM International, p. 1-123. P. 219-250, (1998).
[2] BYRER, T.G.; SEMITIAN, A.L.; VOLLMER, D.C. Forging Handbook. Metals Park, Ohio: ASM, p. 195-217, (1985).
[3] LEE, R.S.; JOU, J.L. Application of numerical simulation for wear analysis of warm forging die. Journal of Materials Processing Technology, v.140, p. 43-48, (2003).
[4] BEHRENS, B.A. Finite element analysis of die wear in hot forging processes. CIRP Annals – Manufacturing Technology, v.57, p.305-308, (2008).
[5] SUMMERVILLE, E.; VENKATESAN, K.; SUBRAMANIAN, C. Wear processes in hot forging press tools. Mater. Des., v.16, n.5, p. 289-294, (1995).
[6] SHIVPURI, R.; BABU, S. ASM Handbook: Metalworking: Bulk Forming, v.14A, p.62-82, (2005).
[7] RODRIGUES, J.; MARTINS, P. Tecnologia Mecânica. V.01, p.562-569, (2005).
[8] GRUNNING, K. Técnica da Conformação. p. 38-64, (1996).

 

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