Fadiga térmica de matrizes

Entre os mecanismos de falha presentes nas matrizes de forjamento a quente, destaca-se a fadiga térmica. Este artigo tem como objetivo desenvolver uma sub-rotina para um aplicativo numérico empregando o método dos elementos finitos, capaz de prever regiões propícias à fadiga térmica

Os produtos metálicos semiacabados são caracterizados por não apresentarem a forma final. São fabricados por meio de processos primários e secundários de fabricação, tais como laminação, forjamento, extrusão e trefilação. Para o processo de forjamento a quente, frequentemente utiliza-se como matéria-prima aços carbonos e ligados e para as matrizes os aços ferramentas AISI H11, H12 e H13, sendo AISI H13 um dos mais utilizados [1]. Os produtos forjados apresentam uma boa resistência mecânica e certa precisão dimensional [2] e são empregados, largamente, na indústria petroquímica, mecânica e automobilística. Em 2011, a produção mundial de produtos forjados a quente foi de 4 milhões de toneladas [3]. A Figura 1 mostra uma conexão semiacabada destinada para a indústria petroquímica.

As forjarias têm preferência por aços ferramentas que proporcionam um melhor rendimento produtivo por meio da maximização da vida útil das matrizes e, assim, reduzindo os custos de produção. A vida útil das ferramentas (matrizes) é comumente expressa pelo número de peças forjadas (ciclos de produção) antes de serem rejeitadas pela presença de algum mecanismo de falha que venha alterar as dimensões e/ou a geometria do produto final ou até mesmo ocasionar a quebra das matrizes. Entre os mecanismos de falha presente em uma matriz de forjamento a quente destacam-se: fadiga mecânica, fadiga térmica, deformação plástica e desgaste por abrasão. A Figura 2 retrata possíveis regiões onde estes mecanismos de falha podem atuar [2].

Durante a sua vida útil, as matrizes de forjamento a quente são submetidas a aquecimentos e resfriamentos cíclicos que geram tensões térmicas, propiciando a formação de fissuras que têm origem na superfície das matrizes. A Figura 3 apresenta o aspecto típico da malha de trincas térmicas na superfície de uma matriz, no aço H13, destinada para o forjamento de união em prensas excêntricas [4]. A literatura apresenta que o início das trincas térmicas ocorre, em média, a menos 1% da vida útil do ferramental [5].

Existem poucos estudos experimentais e numéricos que objetivam determinar o número de ciclos de produção das matrizes em relação à fadiga térmica, principalmente, para aplicações específicas, como o uso do aço AISI H13 no forjamento a quente. Entre os estudos experimentais já realizados se destaca o trabalho de Maln et al [6], que visa ao desenvolvimento e aplicação de modelos matemáticos específicos para os aços ferramentas, com o objetivo de simplificar o entendimento prático das tensões e deformações envolvidas no processo de conformação a quente. Neste trabalho foi desenvolvida uma sub-rotina para o aplicativo numérico DEFORM-2D, capaz de prever regiões propícias à fadiga térmica em uma matriz de corpos moedores. Os resultados numéricos foram comparados com os resultados industriais para a validação da sub-rotina proposta.

No campo geral da fadiga de baixo ciclo (<1000 ciclos), onde as deformações plásticas em cada ciclo excedem as deformações elásticas, pode-se dividir em duas categorias: térmica, se a temperatura não é constante com o tempo, e isotérmica, se a temperatura é constante ao longo do tempo [7].

Segundo Spera [7], a fadiga térmica é definida como a deterioração gradual dos materiais que sofrem aquecimentos e resfriamentos alternados durante os quais a livre expansão térmica é parcial ou completamente restringida. Esta restrição à livre expansão térmica origina tensões térmicas que podem provocar a iniciação e propagação de fissuras nas superfícies das matrizes. A severidade dos ciclos térmicos é determinada, principalmente, pela diferença de temperatura, pela temperatura máxima atingida e pela velocidade de aquecimento e resfriamento. Desse modo, as fissuras térmicas tendem a se desenvolver em regiões nas quais não se têm nenhum tipo de concentrador de tensão.

De acordo com os estudos de Malm et al. [6], para que ocorra a fadiga térmica de baixo ciclo a amplitude da deformação térmica deve exceder a deformação elástica, que pode ser expressa pela Equação 1, onde a é o coeficiente médio da expansão térmica, ?1 e ?2 são os coeficientes de Poison, s2 e s1 são as tensões e E1 e E2 são os módulos de elasticidade para as temperaturas mínimas (T1) e máximas (T2) respectivamente.

Material e Métodos

Para a previsão das regiões propícias à fadiga térmica em uma matriz de corpos moedores foi inicialmente desenvolvida uma simulação utilizando o aplicativo numérico DEFORM-2D. Posteriormente, os resultados foram validados a partir de dados industriais.

Materiais

A Figura 4 mostra o ferramental construído para o forjamento a quente de corpos moedores esféricos com diâmetro nominal de 90mm, prevendo-se a formação de rebarba entre as matrizes. Tanto o canal quanto a garganta de rebarba seguem a norma DIN [8] (Figura 5). Para assegurar o exato posicionamento e evitar um possível deslocamento relativo horizontal das matrizes superior e inferior foram utilizados pinos guias, indicados na Figura 4.

O material utilizado para as matrizes foi o aço ferramenta AISI H13, que apresentou uma dureza média de 52 HRC depois de temperado e revenido. Para os corpos moedores foi usado o aço carbono AISI 1045. As tabelas 1 e 2 mostram a composição química do aço ferramenta AISI H13 e do aço carbono AISI 1045.

De acordo com Grunning [9], a fim de evitar a flambagem, a altura do tarugo não deve exceder a 2,5 vezes o seu diâmetro. Assim sendo, foi utilizado um tarugo cilíndrico no aço carbono AISI 1045, com diâmetro de 76,2mm e altura de 120mm, aquecido em um forno de indução a uma temperatura média de 950°C. Esse mesmo tarugo foi posicionado em pé, apoiado na matriz inferior, que foi pré-aquecida a 200°C, temperatura recomendada para o forjamento do aço carbono, juntamente à matriz superior. O aquecimento das matrizes foi realizado por meio de aquecedores a gás (GLP). Para o monitoramento das temperaturas do tarugo e das matrizes foi empregado um termômetro digital do tipo K. O tempo total ou ciclo de operação foi de 20 segundos, considerando o transporte do tarugo para a prensa mecânica, seu posicionamento, sua conformação, a retirada do produto final e da aplicação do desmoldante à base de grafite. Ressalta-se que a aplicação do desmoldante se deu entre um intervalo de um corpo moedor forjado.

Método dos Elementos Finitos

O aplicativo numérico DEFORM-2D (SFTC – Scientific Forming Technologies, Ohio, USA) empregado para simular o ciclo de forjamento dos corpos moedores utiliza a formulação implícita de integração no tempo, em que a solução da equação de governo que rege o equilíbrio é obtida pela consideração no tempo t+dt. Para determinar possíveis regiões propícias à fadiga térmica de baixo ciclo por meio da Equação 1, durante o estado estacionário de temperatura, fez-se necessário a implementação de uma sub-rotina.

Em virtude das matrizes superior e inferior e do material a ser forjado apresentarem geometrias de revolução em torno de um mesmo eixo, o conjunto matrizes/material foi reduzido a um estado de deformação axissimétrica, conforme a Figura 6.

O aço AISI 1045 foi modelado como material isotrópico e rígido-plástico, com uma malha de 1.000 elementos quadrados, conforme a Figura 5. Para evitar a remalha automática do tarugo, que pode comprometer os resultados numéricos, decidiu-se que a malha seria mais densa no lado voltado para a bacia de rebarba (elementos com 0,2mm). A curva de fluxo para descrever o comportamento do aço carbono AISI 1045 durante os ciclos de forjamento é em função da deformação, da taxa de deformação e da temperatura sef = s (eef , e,ef , T) e suas propriedades mecânicas e térmicas foram obtidas diretamente da biblioteca do aplicativo numérico. As matrizes superior e inferior também foram modeladas como materiais isotrópicos e elásticos. A malha é mais densa, com elementos com 0,2mm na região de contato com o material a ser forjado, garantindo, assim, boa convergência dos resultados. Uma malha mais grosseira (elementos com 1mm) foi empregada no restante das matrizes sem comprometer os resultados. Foi utilizado um fator de atrito de 0,3 nas interfaces das matrizes/material [10].

Transferência de Calor e Parâmetros Térmicos

A evolução térmica do material e das matrizes, no processo de forjamento a quente, envolve a geração de calor causada pela deformação plástica do material, pelo atrito material/ferramenta e pela dissipação de calor por transmissão ao meio ambiente.

Empregou-se o valor de 25°C para descrever a temperatura ambiente e a solução grafitada. Os parâmetros térmicos dos materiais foram retirados da biblioteca do aplicativo numérico e, na falta de alguma propriedade, essa foi obtida dos trabalhos de Chun [11], Sjostrom [5]. Durante o forjamento e o resfriamento das matrizes foram empregados os seguintes coeficientes de transferência de calor:

– Forjamento

Matriz/Tarugo: 15 kW/m2.K

Matriz/Matriz: 11 kW/m2.K

– Resfriamento

Matriz/Matriz: 11 kW/m2.K

Face em contato com desmoldante: 45 kW/m2.K

Estado Estacionário de Temperatura e Sub-rotina

Para descrever o estado estacionário de temperatura foram avaliadas numericamente as evoluções das temperaturas, em ciclos sucessivos de forjamento, nos três pontos destacados na matriz inferior, Figura 7. Estes pontos foram escolhidos uma vez que as temperaturas máximas ocorrem na superfície da cavidade da matriz. O ponto P1 encontra-se na borda superior da cavidade, P2 no ponto de contato entre material/matriz e P3 no ponto mais baixo da cavidade. Ressalta-se que as condições térmicas do ciclo anterior foram transferidas para o ciclo posterior de forjamento no intuito de se obter esse estado. As simulações numéricas em que envolveram o uso do desmoldante foram baseadas nos estudos de Chun [11].

Uma vez obtido o estado estacionário da temperatura, os módulos de elasticidade, os coeficientes de Poisson e as tensões referentes às temperaturas máximas e mínimas foram introduzidos na sub-rotina, determinando, assim, regiões sujeitas à fadiga térmica, Equação 1. As propriedades mecânicas e térmicas do aço H13 eram retiradas do aplicativo numérico e dos trabalhos de Chun [11] e Sjostrom [5].

A Figura 8 mostra a representação esquemática do algoritmo usado no projeto da sub-rotina.

Resultados

As simulações numéricas mostraram que o ciclo estacionário das temperaturas nos pontos P1, P2 e P3 teve início após a 66ª peça forjada. O gráfico da Figura 9 mostra as evoluções das temperaturas nos estados estacionários para esses pontos no 67º ciclo de forjamento e as médias das máximas temperaturas medidas industrialmente nos respectivos pontos.

Tanto no início (1.320 segundos) quanto no final (1.340 segundos) do ciclo de forjamento, as temperaturas nos pontos P1 e P2 foram semelhantes. A não existência de contato com o tarugo nos instantes iniciais do processo de forjamento do corpo moedor faz com que as temperaturas nos pontos P1 e P3 permaneçam constantes, ao contrário do ponto P2, que representa o ponto de apoio do tarugo com a matriz, fazendo com que a temperatura aumente de forma gradativa de 260°C até 560°C (?T=300°C). Quando se inicia a formação de rebarba devido ao preenchimento total da cavidade da matriz, as temperaturas nos pontos P1 e P3 apresentam um aumento significativo de 465°C e 280°C respectivamente. Após a conformação do tarugo, 1.328 segundos, fez-se a aplicação do desmoldante por dois segundos. Durante a aplicação do desmoldante, as temperaturas nos três pontos escolhidos decaem rapidamente e, uma vez terminada a sua aplicação, o decaimento torna-se mais suave. Este mesmo comportamento foi observado por Chun [11].

Por apresentar a maior temperatura no decorrer do processo (722°C), o ponto P1 pode desenvolver outro possível mecanismo de falha, a deformação plástica, que esta associada à queda do limite de escoamento do material (AISI H13), capaz de alterar as dimensões do produto final nesta região.

Com base na Equação 1, a sub-rotina mostrou que na cavidade da matriz, onde ocorrem as maiores variações térmicas, é favorável ao desenvolvimento da fadiga térmica (cor vermelha), Figura 10, condizendo com o que foi observado nas matrizes dos corpos moedores, Figura 11, e no trabalho de Sjostrom [5].

Conclusão

Os valores dos coeficientes de transferência de calor empregados nas simulações numéricas, para determinar as evoluções das temperaturas nos ciclos de forjamento, geraram resultados condizentes com os que foram obtidos industrialmente.

A cavidade da matriz, por estar sujeita aos maiores gradientes térmicos, é propícia ao desenvolvimento das fissuras térmicas, fato comprovado industrialmente e pelos resultados numéricos obtidos pela sub-rotina implantada no aplicativo DEFORM-2D.

A sub-rotina implementada no aplicativo DEFORM-2D, para simulação numérica do forjamento a quente de corpos moedores, revelou-se uma ferramenta de interesse na avaliação da vida útil das matrizes empregadas no processo.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES, CNPq e FAPEMIG pelo suporte para a concretização deste trabalho.

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[1] Stahleisenliste (Hrsg-VDEh) 9. Auflage, Dusseldorf, VerlagSthaleissen, 1998.
[2] Konig, W., Klocke, F. Fertigungsverfahren. Bd. 4. Massivumformung, Dusseldorf, VDI-verlag, 1995.
[3] www.metaform.de (acessado em agosto de 2012).
[4] Summerville, E., Venketesan, K., Subramanian, C. Wear processes in hot forging press tools. Materials & Design, Vol.15, 289-294, 1995.
[5] Sjostrom, J. Chromium martensitic hot-work tool steels. Dissertation, Karlstad University Studies, 2004.
[6] Malm, S., Norstrom, L. A. Material-related model for thermal fatigue applied to tool steels in hot-work applications. Metal Science, September, 544-550, 1979.
[7] Spera, D.A. “What is thermal Fatigue”; Thermal fatigue of materials and components. ASTM-STP612, pag.3.
[8] Lange, K. Umformtechnik. Bd.2, Massivumformung, Berlin, Springer-Verlag, 1998.
[9] Grunning, K. Técnica da Conformação. Pp. 38-64, 1996.
[10] Metals Handbook. Forming and Forging, Vol.14. Ed. Metals Park. American Soc. For Metals.
[11] Chun, L. Modeling of water and lubricant sprays in hot metal working. Dissertation, Ohio State University, 2007.

 

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